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post na 1ª pessoa do singular
a lebre está de trombas.o senhor La Feria está a abandalhar o Alice no país das maravilhas
Novembro, som absoluto,
com as suas sílabas suaves,
as vogais pairando na aragem,
e na luz lenta dourada outros
sons soltos consoantes.
Fiama Hasse Pais Brandão
amor é....
é sempre entre a tua demora e o vento
que se toca o mais fundo de um silêncio
como fotografias de olhares que parecem tristes
nascem as primeiras frases no frio das folhas
tudo muda de cor no Outono:
os pássaros cruzam um céu que dá
sombra às palavras
eue
Implorando o sopro do ser divino,
o sopro que dá a vida,
o sopro de muita idade,
o sopro das águas,
o sopro das sementes,
o sopro da fecundidade,
o sopor da abundância,
o sopro do poder,
o sopro da força,
o sopro de todas as espécies de sopro
pedindo o seu sopro,
inspirando o seu sopro no calor do meu corpo,
incorporo seu sopro
para que vivas sempre luminosamente.
Poema ameríndio(mudados para português por Herberto Helder)
mais uma tradução caseira da lebre
Porque eu não podia nem ler nem falar e nas noites longas eu não conseguia desligar a lua ou contar as luzes dos carros a atravessar o tecto.
Anne Sexton
everybody knows everybody....
Estar só é meditar numa ausênciaesguer os olhos do que, escrevendo, o constatapor uma ordem emanada já se sabe dondeir só reinvindicasonega a canetadobra os papeis escritose conduz docementea uma longa suspeição de música.Sebastião Alba
Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.
Fiama Hasse Pais Brandão
Tomo nota; reescrevo:
“Leio um texto e vou-o cobrindo com o meu próprio texto que esboço no alto da página mas que projecta a sua sombra escrita sobre toda a mancha do livro. Esta sobreposição pessoal tem por fonte os olhos, parece-me que um fino pano flutua entre os olhos e a mão e acaba cobrindo como uma rede, uma nuvem, o já escrito. O meu texto é completamente transparente e percebo a topografia das primeiras palavras.”
Maria Gabriela Llansol
metade de mim mora em manhãs de inventar o frio
falo de um tempo onde a chuva
marca a respiração no vidro
e o vento é lido por pássaros
e lá para o fim do dia
quando tenho nas mãos
a idade das primeiras chuvas
conto estrelas para passar o tempo eue
tradução caseira da lebre de um dos poemas da vida delaO inventário do adeus
Tenho um maço de cartas,
tenho um maço de memórias.
Eu podia cortar os olhos a ambas.
Eu podia usa-las como um avental de retalhos.
Podia mete-las na maquina de lavar, na de secar,
se calhar parte da dor desapareceria como sujidade?
Se calhar deitando-a pelo triturador eu poderia triturar a perda.
Alem disso – que pechincha – sem telefonemas caros.
sem viagens demoradas em aviões no nevoeiro.
Sem o riso maníaco ou bênção de um padre fora-do-baralho.
Esse padre provavelmente ainda está a flutuar numa almofada de nevoeiro.
Abençoando-nos, abençoando-nos.
Tenho que te abençoar, perdido,
aqui sentada com a minha alma trapalhona?
O tempo de propaganda acabou.
Sento-me aqui no espigão da verdade.
Ninguém para odiar senão o peixe esguio da memória
que desliza para dentro e para fora do meu cérebro
Ninguém para odiar senão o toque agudo da minha camisa de dormir
roçando o meu corpo como uma luz que se apagou.
Lembra-me o beijo que inventámos, línguas como poemas,
encontrando-se, regressando, convidando, provocando uma febre de necessidade.
Risos, mapas, cassetes, toque a cantar o seu caminho –
tudo para ser partido e posto num cofre estanque
Os mortos monótonos entopem-me e há apenas
preto ornado a preto que verte do cofre.
Preciso de o estripar e depois colocar o coração, as pernas,
de dois que foram um sobre um grande monte de lenha
e acendo-o, como eu já fui acesa e deixo-o rodopiar
em chamas chegando ao céu
Fazendo-o perigoso com o seu vermelho.Anne Sexton
porque um cheiro cinzento de castanhas une as margens
fico com os cotovelos marcados pelo tampo da mesa
quando a mesa é um sombreado no frondoso painel do
[ quintal e
o olhar
parado disperso na parede
no apenas em que a parede é um móvel ao canto
e nós na praia nós o ano passado uma jarra de
[ vidrinhos coloridos
verde amarelo vermelho azul transparente
e a porta
lacada de branco entre os vasos fronteiriços à varanda
os cotovelos sobre o tampo da mesa
quando a mesa é uma toalha branca floreada de pequenino
[lilás
sobre os joelhos
junção de margens do forjado de que se fazem as varandas
os ganchos que deixei junto à bacia
a escova o peixe branco do sabonete a jarra verde
amarela vermelha azul transparente
e nós na sala
com a toalha pelos joelhos
joão do nascimento
a lebre vista pelos olhos d'outremQuando noutro _____ [Lua]
ÉramosEscrevendo poemas
Por submarinos
Sendo das mãos folhas
Embalados no temor
Da relva húmida de tardesArrebanhando o vazio De todos os apeadeiros
por fim.fénix
mais uma traduçao caseira da lebre
um buraco na noite
subitamente invadido por um anjo
Alejandra Pizarnik
NEM SEMPRE AOS POETAS APETECEM AS ESTRELAS
Apetece-me não sei porquê uma história de formigas
De formigas assexuadas negras nítidas e rápidas
Com olhos fantásticos colhendo miríades de imagens
E inúteis os olhos das formigas
Desenhadas como um oito ou como um sinal de infinito
Muitas corteses atarefadas prejudiciais
Clericais sociais subtílissimas pequenas
Formigando no chão
No chão onde florescem os cardos e as cores
No chão onde assenta a carne ansiosa das mulheres
E os joelhos dos homens
No chão onde ecoa a voz repugnante dos pregadores
E a voz das juras e dos negócios
No chão onde cai o suor dos aflitos
E o suor dos amorosos
E o suor dos operários
E o suor dos gordos
No chão onde andam os pés e estalam os escarros
No chão das guerras e das famílias correctas
E dos vasadouros e dos jardins
E do pus verde dos mendigos
E das chagas rendosas e das rendas custosas
E das doidas furiosas
E das rosas
E das airosas e das feias e dos bispos e dos triunfadores
E dos cretinos e das virgens
E dos remédios e dos males
E das vertigens e dos abismos
E das cismas
E dos sismos
E dos vermes do ventre e das sonecas
E dos ludíbrios e dos hábeis
E da força dos garantidos
E das sementes
Apetece-me não sei porquê uma história de formigas
A grande invasão das formigas multiplicando-se
Cobrindo a face da terra e a dos homens e das mulheres
Entrando-lhes pelos narizes para roerem os olhos por dentro
E fazendo bulir as coisas mortas e as vivas
Com o espantoso treme-luz irisado e magnífico
Dos seus reflexos negros e a substituírem todas as cores
Na grande montanha uma mulher enorme
Nua e infame
Tem as pernas escachadas sob as pregas do ventre
E sob as pregas do ventre seu sexo negro
É o grande formigueiro do mundo
Vive?
As formigas esvaziaram-na da enxúndia e substituíram-na
Só lhe deixaram a pele por fora para ainda haver branco visível
E como pêlos ampliados excitados e crescentes
Cobriram e desceram o vale
Enroscaram-se nas árvores
Desinquietaram a placidez das pedras
Forraram as aldeias e as cidades os animais e os homens
Que é do ciúme e das angústias?
Que é do amor e das palavras?
Que é das carícias e dos dentes?
Que é das renúncias e dos crimes?
Que é das tentações
Das promessas
Dos desejos
Dos apetites
Das fúrias?
Que é de todas as músicas?
O sol inútil cobre um mar negrejante onde os reflexos são como os olhos das moscas
E um silêncio tremendo finge de paz no mundo
Uma paz de silêncio com formigas
Formigas
Formigas
Formigas
Formigas
António Pedro
o que falta ao verde para ser árvore nestes dias que começam a noite antes da hora?Rosa Alice Branco
o meuQuando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
W. B. YEATS
Qual foi o vosso primeiro poema-paixão?
Horizonte
havia uma menina sentada
junto a uma janela
ela vestia uma velha camisa de dormir
larga
e tinha cabelos castanhos lisos
longos
tinha uma caixa de plástico vermelha
no colo
e olhava o horizonte cinzento
ao longe
talvez vivesse numa ilha
e talvez brincasse junto ao mar
nas tardes de verão
ela estava sentada
não sei bem se num banquinho de madeira
ou se num rochedo do tamanho do mundo
às vezes
os seus olhos pousavam suavemente
na caixa vermelha
e os seus pequenos dedos
imprimiam na superfície do plástico
antigas histórias
de gente que não mais voltara do mar
a casa era do tamanho
de uma janela que dá para o mundo
e a madeira cheirava a madeira
e alguma coisa nela me dizia
que outrora fora barcos
nenhum entardecer
se assemelhava ao que habitava
aquela janela
e a menina sabia-o
não sei bem como
os seus olhos cinzentos
olhavam o horizonte
com a paciência
de quem olha os horizontes
e por vezes
esticava o pescoço
para ver mais longe
ela descobrira sozinha
o significado da palavra longe
o tempo era
verdadeiramente
algo indistinto
e os cabelos
acariciados pela tempestade
gritavam
aos olhos mais atentos
a palavra eternidade
sempre que abria as mãos
caíam ao chão
punhados de terra
ainda misturada com raízes
e no seu colo pousava
aquela caixa vermelha de plástico liso
como uma mancha de sangue
no branco sujo
da camisa de dormir
de vez em quando
cantava
melodias tristes
que ela ouvira
certamente
da boca dos mortos
que escolheram aquele lugar
para olhar o horizonte
um dia
alguém vindo do mar
dissera-lhe ao ouvido
a palavra infinito
e ela rira
ria sempre
que alguém dizia
infinito
desde então
passava noites inteiras
na sua janela
nenhuma palavra
se lhe ouvia
mas ria-se às vezes
como se riem as crianças
há quem diga
que lhe morrera o mundo
e que perdera o tempo
numa noite de tempestade
outros dizem que aprendeu a falar com os mortos
e que passeia no fundo dos mares
que chama pelo respectivo nome cada estrela
e que tem uma música para cada pôr-do-sol
que guarda na pequena caixa de plástico
todos os sonhos dos homens
eu sei que ela tem uma janela nos olhos
imagino que corra na praia
e que caminhe sem dificuldades
na estrada do horizonte
julgo que é sozinha desde sempre
e que não gosta de andar com guarda-chuva
provavelmente
conhece mesmo o fundo dos mares
e nem sequer me custa acreditar que
se pudesse ver o que esconde
aquela caixa de plástico
ela me pareceria vazia
José Rui Teixeira
O teu olhar fixou-se
numa nuvem,
um ponto que aumentou imensamente
e te retém ao começo da noite
como se fosse a ameaça
de que talvez conheças a origem num passado
ácido de faces, posso
recomeçar quase tudo levantando
a pedra
final que nos esmaga;
há coisas
que não têm recomeço
Gastão Cruz foto roubada a um dos meus fotógrafos preferidos
Morada
Nós vivemos na cidade quase sempre perdidos
nas nossas pequenas razões. Estas ruas
ainda prometem mais do que podem cumprir?
A breve epifania do amor ou simplesmente
um cúmplice que nos diga, à mesa de um café,
que não faz mal, que pouco importam
as perdas e danos que sofremos.
De qualquer modo o mundo continua.
Entre o medo e a esperança
procuramos a nossa incerta morada
e enquanto isso envelhecemos mais um dia,
colhidos pelo tempo em plena queda. Nas praças,
nos quintais, a noite aparece depois do jantar
cheia de boas promessas, mas já vem condenada
ao tropel dos crentes, ao cego movimento da manhã.
Rui Pires Cabral
mais uma tradução caseira da lebre
Os lençóis foram lavados
da nossa essência conjunta – um composto,
não uma mistura; mas aqui ainda estão
esquecidos, o teu cachimbo e tabaco,
os teus livros abertos na minha mesa,
a tua voz a falar nos meus poemas.
Fleur Adcock
Mais uma tradução caseira da lebre
Bonecas,
aos milhares,
estão a cair do céu
e eu olho para cima com medo
e pergunto-me quem as irá apanhar?
As folhas, segurando-as como pratos verdes?
Os charcos, abertos como copos de vinho
para as beber?
Os topos dos edifícios para se esmagarem nas suas barrigas
e deixa-las ali para ganhar fuligem?
As auto-estradas com as suas peles duras
para que sejam atropeladas como almiscareiros?
Os mares, à procura de algo que choque os peixes?
As cercas eléctricas para lhes queimar os cabelos?
Os campos de milho onde podem estar sem ser colhidas?
Os parques nacionais onde séculos mais tarde
Serão encontradas petrificadas como bebés de pedra?
Eu abro os braços
e apanho
uma,
duas,
três…dez ao todo
a correr para a frente e para trás como um jogador de badmington,
apanhando as bonecas, os bebés onde eu pratico,
mas outras estilhaçam-se no telhado
e eu sonho, acordada, eu sonho com bonecas a cair.
que precisam de berços e cobertores e pijamas,
com pés verdadeiros
Porque é que não há uma mãe?
Porque é que estas bonecas todas estão a cair do céu?
Houve um pai?
Ou os planetas cortaram buracos nas suas redes
e deixaram a nossa infância sair,
ou somos nós as próprias bonecas,
nascidas mas nunca alimentadas.
Anne Sexton