#b-navbar { display: none; }

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

não sabemos ao certo qual é o ponto vulnerável dos outros, talvez seja o nosso? E assim se espalha o silêncio. A esta propagação do silêncio chamamos "endurecer".





Annemarie Schwarzenbach




Photobucket

sábado, fevereiro 16, 2013

Deixas rasto no meu peito durante horas. Dou com
cabelos teus colados, dias depois, à roupa do meu sorriso.
Encontro nos vincos mais longínquos dos meus
dedos o cheiro parado do teu olhar tão móvel. Procuro-te
nas esquinas dos instantes que passam. Reconheço-te
no vinco que a ternura deixa na carne do peito do
meu olhar, aquele que deito para longe, para outra esquina,
de onde recebo mensagens de outro olhar igualmente
teu, igualmente meu, reflectido na montra de
uma loja do nosso sono.




Manuel Cintra




Photobucket

quarta-feira, fevereiro 13, 2013


PRIMITIVOS

Ouvi falar de gente civilizada,
os matrimónios temperados por conversas, elegantes e
honestos, racionais. Mas tu e eu somos
selvagens. Tu chegas com um saco,
entregas-mo em silêncio.
Sei logo que é Porco Moo Shu pelo cheiro
e percebo a mensagem: dei-te imenso
prazer ontem à noite. Sentamo-nos
tranquilamente, lado a lado, para comer,
os crepes compridos suspensos a entornar,
o molho fragrante a escorrer,
e de esguelha olhamos um para o outro, sem palavras,
os cantos dos olhos limpos como pontas de lança
pousadas no parapeito para mostrar
que aqui um amigo se senta com um amigo.





Sharon Olds





 photo nicksheilapye.jpg

segunda-feira, fevereiro 04, 2013


no princípio era

não dormia sem o escuro absoluto,
doíam-lhe os olhos de ter visto cidades,
de ter esquecido gente, do frio
do vidro nas palavras. Demorava tanto
a entender o mundo que agora não dormia
de muita luz que as coisas tinham
antes sequer de serem suas. Trabalhava-se tanto
nesse lugar onde vivia com outros como ela
que às vezes pensava: tão estranho nascer
(quer dizer, nascer mesmo, estar aqui)
para o dia passado com estranhos.
E por isso, no princípio, não dormia
sem procurar o amor, sem beijar na testa
a noite que acabava serena e exausta como a noite.

No princípio era.
Depois esvaziou-se com cuidado.




Filipa Leal



Photobucket

Conta-me um conto


É tarde, falta aprender a deitar fora a madeira da alma,
a não contaminar os animais com o vírus
das metáforas sombrias. Falta talvez ser tarde,
mas o homem expulsou-se do paraíso
e cresceram-lhe orelhas para escutar a morte.
Como pode olhar de frente o rosto da criança,
com que sol se senta ao sol das maravilhas?
Fala comigo um pouco mais. Ainda há passos
que não demos, há trilhos que os ciganos deixaram
para nós, há migalhas de pão pelos caminhos
e talvez seja a hora de fazer com elas umas migas,
de pedir ao mágico que tire do chapéu um vinho
graduado, um coronel meio surdo a quem Alice
perguntará as horas ou o capuchinho chamará «avó».
Antes de sermos definitivamente comidos pelo lobo
escuta como se aproxima o próximo poema.



Rosa Alice Branco



Photobucket