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terça-feira, maio 31, 2016

Não faço o que quero
faço o que posso.
E o que posso passa
pelo passo da dificuldade.

Palavras tenho poucas,
duras, despidas estacas,
complicando a minha escolha.

Ermas e perfiladas
ergo-as ao sol na vertical
e são monótonas e dão sombra.

Com elas levanto quatro nuas
paredes, um tecto em forma
de prece. Dificilmente
construo uma casa fácil

Fácil é fazer difícil,
difícil fazer o fácil.


Rui Knopfli


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sábado, maio 28, 2016


 Menina Louise

Ela sonhava descer
escadarias elegantes
alvoroçado leque de marfim
com crianças em fatos à marujo
e vestidos de organza
até que o sonho lhe apodreceu as vísceras,
mas ninguém soube:
não eram permitidas vísceras
no seu tempo.


Abanava os caracóis grisalhos:
menina, nem posso
ir à Igreja já sabe que
perturbo os padres
imensamente. Ainda ontem
o padre Hans, aquele bonito, me dizia:
menina Louise, sinto uma flecha
atravessar-me o coração.
Mas ninguém me acredita
se eu contar. Tem sido sempre
assim. Dizem-me:
sim, Louisa, nós sabemos, os professores
amaram-te na juventude,
os juízes no teu apogeu.


Eunice de Souza


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sexta-feira, maio 27, 2016

Sexta-feira

Tranquila Sexta-feira
abandonada Sexta-feira
Sexta-feira cada vez mais triste como ruelas antigas
Sexta-feira de indolentes pensamentos indispostos
Sexta-feira de sinuosos e nefastos espreguiçamentos
Sexta-feira de nenhuma expectativa
Sexta-feira de rendição.

Casa vazia
casa solitária
casa trancada contra a investida da juventude
casa da escuridão e ânsias de sol
casa de solidão, augúrio e indecisão
casa de cortinas, livros, guarda-louça, fotografias.

Ah, como a minha vida fluiu silenciosa e serena
como uma corrente profunda
através do coração dessas silenciosas, abandonadas Sextas-feiras
através do coração dessas tristes casas vazias
ah, como a minha vida fluiu silenciosa e serena.



Forugh Farrokhzad





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quarta-feira, maio 25, 2016

Uma vez mais
a casa despida.
Lentas fotografias, moles molduras,
álbuns blindados, o pó de tudo,

o silêncio prevalecente
da despedida.
Uma casa mais
eu deixo.

Por vezes parece que
sou eu quem fica
e ela que me deixa.



Daniel Jonas



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quarta-feira, maio 18, 2016

Sim, as unhas. Único órgão humano
que merece ser cantado no poema,
ele mesmo uma espécie de unha, laminar.
Garras ou pétalas,
precisam de corte e medida certa,
insistindo, depois do fim
da carne (que guarneceram toda uma vida),
em crescer para nada.
Últimas, mínimas transparências
fibrosas e amareladas
— pelos muitos cigarros. E
ainda se riem da morte,
já no caixão, sinal
de força sob a irremediável fraqueza humana.
Espigões quebradiços
com que ferimos o chumbo,
esse coração que Conrad disse um dia ser de trevas.



Luís Filipe Parrado



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terça-feira, maio 17, 2016

Permanência


Quis-me como a nada no mundo.
Como a nada, penso: nada.
E procuro entre o nada. Que é o nada?
um compromisso? uma sede? algo?



Concha García




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domingo, maio 15, 2016

sábado, maio 14, 2016

tradução caseira da lebre

FICAR EM CASA


Ficar em casa,
mergulhada nas dobras das horas
e não esperar ninguém.

Que os olhos ouçam
e se esqueçam do mundo.

Que me vista o silêncio
e respire na minha nuca
a sua suave indiferença.

Que viver seja isto,
sem palavras de agulha
nem joelhos de choro,

com o tempo despido à beira da cama
e a minha boca dormindo no seu tímido beijo.


Ana Merino


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quinta-feira, maio 12, 2016

Hei-de entrar nas casas
também
como o luar

A ver as faltas de roupa interior
e de cama

os rostos preocupados
com os avisos da luz e da água

com a máquina de petróleo apagada
jornais nas paredes
e um pássaro na varanda
a cantar
ao lado duma flor



António Reis



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quarta-feira, maio 11, 2016

Os milagres acontecem
a horas incertas
e nunca estou em casa
quando o carteiro passa.
Hoje, abriu a primeira flor
e eu disse é um sinal.
Olho em volta: estou só
trago esta sombra comigo.



Ana Paula Inácio



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terça-feira, maio 10, 2016

Sou a mulher que se mata por amor a ti
e a mulher por amor de quem se morre
Sou o rapaz que há como uma água turva
na mulher por quem se morre
o bucal húmido do telefone onde ela expia
pensamentos violentos como plumas
Sou a pluma que lhe abre os lençóis
a lasca de madeira sobre a mesa
a lâmina à espera
que a nudez dê frutos
Sou aquilo que fere o rapaz
e a roupa que o tapa
Sou o brilho da janela onde a mulher
se balança


Andreia C. Faria



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segunda-feira, maio 09, 2016

Lembro-me bem
da partida
por entre as sombras
do café, doce

menear das ancas
deixado pelos mortos
antes do fogo.

Um frio agora
vai pousando
sob as nuas asas
da insónia

enquanto a casa toda
tosse.






José Carlos Soares



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domingo, maio 08, 2016

que importam
uma duas três horas
se a vida é aquilo
e aquilo é a vida
continuada para além
daquilo?



Cidália de Brito



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sexta-feira, maio 06, 2016

Está escuro

A noite tem essas coisas fabulosas
Que sentimos na distância
No modo como as águas cantam, sem luz
À procura de um caminho.


Rui Pedro Gonçalves



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quinta-feira, maio 05, 2016

Luz estranha

Durante um momento interminável
nenhuma folha cai

O olhar treme

A cor é uma vertigem




Alberto de Lacerda






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o café é um lugar de espera
com mesas, cadeiras, portas abertas,
fechadas, e gente, muita gente

como fronteira da rua, um silêncio cheio de som

passa gente e como numa imagem com grão
há sempre a chuva dos dias mais curtos
percebes então que este é o lugar mais nítido
de não ir a lado nenhum




maria sousa




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quarta-feira, maio 04, 2016

Na lista dos teus fins venho no fim
de uma página nunca publicada,
e é justo que assim seja. Embora saiba
mexer palavras, e doer de frente,
e tenha esse talento conhecido
de acordar de manhã, dormir à noite,
e ser, o dia todo, como gente,
nunca curei, como previa, a lepra,
nem decifrei o delicado enigma
da letra morta que nos antecede.
Por muito te querer, talvez pudesses
dar-me um lugar qualquer mais adiante,
despir-te de pudor por um instante
e deixá-lo cobrir-me como um manto.



António Franco Alexandre



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terça-feira, maio 03, 2016

Noite


Os gestos mudaram, a iluminação também.
Conseguimos esconder-nos atrás de nós mesmos.
A noite, como sempre, vai servindo para esperar.
De que se vive, afinal? De que se morre?



Vítor Nogueira



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domingo, maio 01, 2016

Desalento

Tristeza destas minhas mãos
demasiado pesadas
para não abrirem feridas,
demasiado leves
para deixarem marca –

tristeza desta minha boca
que diz as mesmas
palavras que tu
– significando outras coisas –
e esta é a expressão
da mais desesperada
distância.

Antonia Pozzi



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Meu rosto ferve nas mãos do escultor cego.

Na pureza dos pátios imóveis ele pensa docemente
nos suicidas; está a criar a velhice:

ontem e hoje são já o mesmo dia no meu coração.



 antonio gamoneda




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