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sábado, março 29, 2008

Zoo Be Zoo Be Zoo
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sexta-feira, março 28, 2008

ao espelho desenhas rugas
com o lápis carregado

tinhas medo e agora tens frio

ontem e hoje ainda são definições
imóveis da infância




Maria Sousa



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quarta-feira, março 26, 2008

tradução caseira da lebre


Aqui tudo é amarelo e verde.
Ouçam a sua garganta e a sua pele de terra,
a voz completamente seca dos pimentos
enquanto eles palpitam como anúncios.
Os pequenos animais do bosque
estão a levar as suas máscaras funerárias
para uma estreita caverna de Inverno.
O espantalho arrancou
os seus dois olhos como diamantes
e caminhou para a aldeia.
O general e o carteiro
tiraram as suas mochilas.
Tudo isto já aconteceu antes
mas nada aqui é obsoleto.
Tudo aqui é possível.

Por causa disto talvez uma jovem rapariga tenha despido
as suas roupas de Inverno e sentou-se
ao acaso num ramo de árvore
que está por cima de um lago no rio.
Ela foi vertida para o ramo,
rente à casa dos peixes
enquanto eles nadam para dentro e para fora do seu reflexo
e para cima e para baixo das escadas das suas pernas.
O seu corpo leva as nuvens até casa.
Ela está a olhar para a sua cara feita de água
no rio onde os homens cegos
vêm tomar banho ao meio dia .

Por causa disto
o chão, esse pesadelo de Inverno
curou as suas chagas e rebentou
com pássaros verdes e vitaminas.
Por causa disto
as arvores entregam as suas valas
e seguram pequenas chávenas de chuva
com os seus dedos esguios.
Por causa disto
uma mulher está ao pé do seu fogão
a cantar e a cozinhar flores.
Tudo aqui é amarelo e verde.

Com certeza que a Primavera vai permitir
que uma rapariga nua
se vire suavemente na sua luz solar
e não tenha medo da sua cama.
Ela já contou seis
flores no seu espelho verde verde.
Dois rios fundem-se debaixo dela.
A cara da criança enruga-se
na água e desaparece para sempre.
A mulher é tudo o que pode ser visto
na sua beleza animal.
A sua pele acarinhada e obstinada
permanece profundamente debaixo da árvore feita de água.
Tudo aqui é completamente possível
e os homens cegos também podem ver.



Anne Sexton



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terça-feira, março 25, 2008

tradução caseira da lebre


faço a minha cabeça, como costumava
de um saco de papel,
puxo-o até ao colarinho

desenho olhos à volta dos meus olhos
com picos roxos e verdes
para mostrar surpresa,
um nariz com forma de polegar

uma boca à volta da minha boca
esboçada pelo toque, e depois colorida
a vermelho mortiço.

com esta cabeça nova, o corpo
esticado como uma meia e exausto
poderia dançar outra vez; e se eu fizesse
uma língua, eu poderia cantar

um lençol velho e é Halloween;
mas porque é que pior ou mais assustadora
esta cara de cabeça de alfinete
de cabelo quadrado e sem queixo?

como um idiota, não tem passado
e está sempre a entrar no futuro
através das frestas de olhos, miope
e às apalpadelas com o seu grande sorriso,
um tentáculo de eterna felicidade

cabeça de papel, prefiro-te
por causa do teu vazio;
de dentro de ti qualquer
palavra ainda pode ser dita.

contigo eu poderia ter
mais do que uma pele,
um interior em branco, um reportório
de histórias por contar.
Um novo começo.


Margaret Atwood



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segunda-feira, março 24, 2008

No entanto hei-de falar-vos delas um dia, se me lembrar, se puder, das minhas estranhas dores, em pormenor, distinguindo entre os diferentes géneros, para maior clareza, as do entendimento, as do coração ou afectivas, as da alma (mais bonitas não há) e finalmente as do corpo propriamente dito, primeiro as internas ou latentes, depois as da superfície, começando pelo cabelo e couro cabeludo e descendo metodicamente, sem pressas, até aos adorados pés, lugar dos calos, cãibras, frieiras, joanetes, unhas encravadas, pústulas, gangrena, pé boto, pé de pato, pé-de-galo, pé-de-cabra, pé chato, pé de atleta e outras bizarrias. E, aos que tiverem a gentileza de me ouvir, falarei também, na mesma ocasião, de acordo com um sistema inventado já não me lembro por quem, daqueles instantes em que, sem se estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada.




Samuel Beckett



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sábado, março 22, 2008

Alguns anos depois – não se sabe quantos –
regressou àquele lugar – integralmente curado, como lhe disseram – e as árvores,
antes frondosas, estavam mortas ou agonizantes. Não sentiu o mais pequeno sinal de nostalgia crescendo no oco em si. Só o oco em si.




Luís Quintais



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quinta-feira, março 20, 2008

There's only Alice




o que me comove, passado tanto
tempo, é perceber que fiz a esse disco
o mesmo que faço e volto a fazer
aos corpos que julgo amar:

parti-los muito devagar, para
que doam sempre um pouco mais.



Manuel de Freitas

quarta-feira, março 19, 2008

You're a rascal!

é favor seguir o link lá de cima:)

terça-feira, março 18, 2008

A minha memória não é uma fonte de sofrimento. Certas partes são como uma loja de penhores, outras como um aquário, outras como uma despensa. Julgo que há um sítio onde a memória se distorce como as imagens nos espelhos de feira e é essa a área que mais me interessa.


Tom Waits
Nocturnos
João Lisboa

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I Hope That I Don't Fall In Love With YouPhotobucket





"This is a story... a tune here... it's about a guy who goes into one of those 24-hour restaurants where they give you the refill on the coffee, so you can sit for, shit, four or five hours. So he walks in there and he's checking out the waitress, Bernice, with a tag on her thing... and... So he just checks her out all night, plots and schemes on how he's gonna get from the booth to get her into his Plymouth. And finally he just chucks the whole thing and goes back to just using his imagination. You can buy the imagination just about anywhere now. And it goes like this."

segunda-feira, março 17, 2008

Nighthawks at the diner


Não sei se existe isto de que falo,
mas deixa-me reparar um pouco
no teu modo ternamente animal
de confundir palavras e sentimentos,
num quase-silêncio desabrigado e informe.

Um corpo serve para muito pouco,
desde os caprichos da libido
às infecções urinárias. Coisas às vezes
parecidas que disfarçamos com vinho
e com uns restos de astúcia. Não me ouças,
se não quiseres. Ainda não se perdeu o lume
das mãos redondas com que te despes
a um canto, singularmente igual
ao que de ti recordo num outro Inverno
distante. Deixemo-nos ficar esta noite,
enquanto Tom Waits nos volta a falar
de um camião chamado Phantom 309
ou de outra coisa qualquer, singularmente
igual - um pouco mais triste, talvez.
Não é isso que importa. Também cada um de nós
terá um dia de se despistar ao encontro
de alguma certeza irrisória e no entanto mortal.

Que o vinho não acabe, entretanto, e
que as canções não pereçam nesta noite
cativa do lume mas friamente corrupta.
Sò nos teus lábios posso encontrar os teus lábios.
Eis uma parva verdade a que por vezes regresso,
mais importante decerto do que a sagess de Verlaine
ou do que aquele velho bar onde dantes, pelo
fim da tarde, cumpríamos o amor. Deixa lá, no exacto
sítio da morte, essa teimosa paixão que não morre
nem finge viver. Tudo isto é inútil, embora
o empadão estivesse bom e eu já não saiba sequer
quantos anos passaram desde que um ao outro
oferecemos o engano e a miséria de um rosto.

O vinho depressa acabou, e é entre os teus seios
que agora adormeço, como se houvesse um lugar.
Daqui a algumas horas esperar-nos-á,
crudelíssimo, o terror tépido de mais um domingo
absolutamente dispensável. Só então saberemos
o que desta noite há-de a memória roubar.
Talvez um perfume a doer-lhe feliz, ou as roucas
onomatopeias de uma certeza insegura
- do lado mais esquivo da morte.

Mas bastam-me para já as mãos redondas
gentis que fazem chover o teu nome
sobre as ruas desertas do meu coração.



Manuel de Freitas



domingo, março 16, 2008

It's All Right With Me
recortes

"A personagem-Tom Waits? Rouba-se um bocadinho daqui, outro dali. Umas coisas velhas, outras novas, um farrapo de pano azul, o chapéu do pai, a roupa interior da mãe, a moto do irmão, os tacos de bilhar da mana e aí vamos nós. Quer dizer, sou o Frank Sinatra ou o Jimi Hendrix? Ou o Jimi Sinatra? Claro que sou ventríloquo como todos os outros. Ninguém se rala se estamos a dizer ou não a verdade. No nosso ramo de actividade, não me parece que isso seja muito importante. As pessoas só querem que lhes contem alguma coisa que não saibam já. Façam-nas rir ou chorar, não interessa. Se estamos a ver um filme muito mau e alguém nos diz 'Sabias que é baseado numa história verdadeira?' será que o filme deixa de ser mau? Sei lá o que é a verdade... Quantos alemães são precisos para mudar uma lâmpada? Quantos espermatozóides há numa única ejaculação? Quatrocentos milhões. E custa muito a acreditar que nós todos somos os que ganharam a corrida, não custa?



roubado com a devida autorização de uma das minhas "biblias" musicais

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sexta-feira, março 14, 2008

It's memories that I'm stealing
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Texture is real important to me; it's like attaining grain or putting it a little out of focus. I don't like cleanliness. I like surface noise. It kind of becomes the glue of what you're doing sometimes

quarta-feira, março 12, 2008

Bem vindos à IV semana do tio Tom
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este ano é feita de discos pedidos

terça-feira, março 11, 2008

se uma lebre vos perguntasse qual era a vossa canção preferida do Tom Waits, a vossa resposta seria...
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por ti deitei o meu corpo ao mar
sem cuidar que a maré me esquecesse
por ti aprendi como as coisas se tocam
como o trigo estende o vento e a terra
como amanhecem as crianças sobre as mães


por ti dormi no sobressalto dos vales
entre sossegos mudos e noites espessas
por ti toquei a gravidez das nuvens
toquei os filhos semeados no inverno

toquei a mulher que espanta o frio


e imaginei que me ouvisses na distância
que me lembrasses a meio do mês branco
quando nos campos as pétalas escrevem
o teu nome quando a mão anuncia a ternura

que é quando os meus olhos procuram os teus



Vasco Gato



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sábado, março 08, 2008

You can dance, you can jive, having the time of your life
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See that girl, watch that scene, dig in the dancing queen

a pedido de muitas famílias

sexta-feira, março 07, 2008

diz que não sabe do medo da morte do amor
diz que tem medo da morte do amor
diz que o amor é morte é medo
diz que a morte é medo é amor
diz que não sabe



Alejandra Pizarnik



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quinta-feira, março 06, 2008

Vem embora comigo, disse ele, vamos viver numa ilha deserta. Eu disse, eu sou uma ilha deserta. Não era o que ele tinha em mente.



Margaret Atwood



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Mãezinha, ganhei um Oscar

Obrigada Henrique e m'nina Ana

amanhã posto as minhas escolhas.

quarta-feira, março 05, 2008

Pus-me a saber. Estou nua e posta branca sobre uma arte leve de nascimento. É tudo quanto sinto de silêncio: um corpo perfurado por espelhos que respiram.




Herberto Hélder



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terça-feira, março 04, 2008

tradução caseira da lebre

Para o ano dos loucos
uma oração


Ó Maria, frágil mãe,
ouve-me, ouve-me agora
embora eu desconheça as tuas palavras.
O rosário negro com o seu Cristo de prata
permanece por benzer na minha mão
porque eu sou a descrente.
Cada conta redonda e dura entre
os meus dedos,
um pequeno anjo preto.
Ó Maria concede-me esta graça,
esta passagem,
embora eu seja feia,
submersa no meu próprio passado
e na minha própria loucura.
Embora haja cadeiras
eu estendo-me no chão.
Apenas as minhas mãos estão vivas,
a tocar contas,
palavra a palavra, eu tropeço.
Uma iniciada, sinto a tua boca tocar a minha.

Conto contas como ondas,
a baterem sobre mim,
estou doente com o seus números,
doente, doente, no calor do verão
e a janela por cima de mim
é a minha única ouvinte, o meu ser estranho
ela é uma larga recebedora, uma mitigadora.

A dadora de respiração
ela murmura,
exalando o seu largo pulmão como um peixe enorme.

Cada vez mais perto
vem a hora da minha morte,
enquanto eu rearranjo a minha cara, volta a crescer,
cresce por desenvolver e com o cabelo liso.
Tudo isto é morte.
Na memória há um beco estreito chamado morte
E eu movo-me nele
como se fosse água .
O meu corpo não tem utilidade.
Jaz, enrolado como um cão na carpete.
Desistiu.
Não há palavras aqui senão as meio aprendidas,
o Avé Maria e o cheia de graça.
Agora entrei no ano sem palavras.
Anoto a entrada estranha e a voltagem certa.
Sem palavras elas existem.
sem palavras podemos tocar no pão
e ser-nos-á entregue pão
sem som.


Ó Maria, terna médica
vem com pós e ervas
Porque eu estou no centro.
É muito pequeno e o ar é cinzento
como numa casa de maquinas.
Dão-me vinho como dão leite a uma criança.
É apresentado num copo delicado com um bojo redondo e uma borda fina.
O vinho tem cor de breu, bafiento e secreto.
O copo ergue-se sozinho em direcção à minha boca
E eu reparo nisto e percebo isto
Apenas porque aconteceu.
Tenho este medo de tossir
mas não falo,
um medo de chuva, do cavaleiro
que cavalga para a minha boca.
O copo inclina-se sozinho
E eu estou em chamas.
Vejo dois finos fios a
queimarem-me o queixo.
Fui cortada em dois.

Ó Maria, abre as tuas pálpebras.
Estou no domínio do silêncio,
o reino dos loucos e dos adormecidos.
Há sangue aqui
E eu comi-o
Ó mãe do ventre
vim apenas pelo sangue?
Ó pequena mãe,
estou na minha própria mente.
Estou trancada na casa errada.


Anne Sexton


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domingo, março 02, 2008

com a garganta cheia de sombras
(sítios que antes sublinhavam a tua ausência)

quero dizer-te que a voz é um juntar de perdas
quando neste lado da fala não há janelas para o silêncio

fica um arrepio de insónia a escrever vazios



Maria Sousa



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