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quinta-feira, abril 29, 2010

Está-se sempre, sempre, sempre a chegar. Ao segundo seguinte, ao desejo seguinte, ao olhar seguinte, ao medo seguinte, ao ruído seguinte, ao pensamento seguinte. Ao destino.







Dulce Maria Cardoso





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quarta-feira, abril 28, 2010

hoje sou eu que poso para o teu poema
como uma modelo numa cama de flores
que estaria
a vida inteira diante dos teus olhos
até ser só ossos, ouro, palavras, rebentação.






Ana Salomé






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domingo, abril 25, 2010

25 de Abril, Sempre!

Cada dia tenho menos uma letra,
uma boca e a mão para a dizer.
Fui colhendo a noite, palavras surdas,
o silêncio que a morte continua
sob a pele da madrugada.
Cada dia tenho menos um coração,
menos uma noite. Resta-me a memória
de abril dentro um copo de esquecimento,
o fundo da liberdade
que alguém bebeu de nós:
a canção morena da alegria,
o cravo ao rubro de fundir a paz.
Menos uma boca, uma criança
alada. Menos uma cidade onde a esperança
se cola ao rosto. Os meus passos presos
ao chão são menos o olhar que a manhã
oferece. Mas era uma vez e aconteceu
um dia, em todos os outros desse dia,
por muito tempo e ainda agora:
acordar, pôr o café na chávena
e barrar o pão com a liberdade.





Rosa Alice Branco






sexta-feira, abril 23, 2010

A memória é quase a mesma coisa que o arrependimento. Só recordamos o que não vivemos plenamente.





Dulce Maria Cardoso





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quinta-feira, abril 22, 2010

então entraste neste quarto como um quarto que não tem saídas e em que estás sentado, contemplando-me, noutra solidão semelhante à minha vida.





Olga Orozco




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quarta-feira, abril 21, 2010

Os ladrões vivem
nas águas furtadas?

O peito do pé usa soutien?

Em que carpintaria funciona
a Serra da Estrela?

Quando se come um prego, fica-se com ferrugem na barriga?

Em que mês aparecem
andorinhas no céu da boca?

O Sumo Pontífice é feito
de que sumo?

Em que guerra foi usado
o peixe espada?





Luísa Ducla Soares





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terça-feira, abril 20, 2010

Não há tempo para o presente quando se está fechado na memória.




Filipa Leal





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sexta-feira, abril 16, 2010

E as coisas que nos matam, incendeiam-se, cansadas de esperar por outro dia.




Manuel de Freitas





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quinta-feira, abril 15, 2010

Estás à minha espera desde o começo
da tarde, as tuas janelas não dão
para lugar nenhum. Mas eu só posso fazer
o teu retrato. As fotografias coladas na parede
dizem muito pouco sobre ti.

Tu já gostaste de alguém até ao fim
de um rio
- e então, onde é que está
o teu prémio?

Sais de casa, o céu corre para ti à altura
do cimento. O pouco que te resta nos dedos
é esse peso encravado em redor dos olhos.






Rui Pires Cabral






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quarta-feira, abril 14, 2010

Preciso muito de branco por cima de preto e branco mas os meus pensamentos correm num tecnicolor fantástico, não me deixam dormir, afastam o cobertor quente da invisibilidade de cada vez que ele promete asfixiar a minha mente do nada.






Sarah Kane




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terça-feira, abril 13, 2010

Mas tu nao sabes o que é a gente acumular uma data de pormenores para chegar a encontrar alguma coisa de real!




Carson McCullers





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sexta-feira, abril 09, 2010

E depois? depois, morreram as vacas e ficaram os bois

quinta-feira, abril 08, 2010

É sem dúvida em dias de maior paixão que pelo coração se chega à pele.




Luís Miguel Nava




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quarta-feira, abril 07, 2010

O medo caminha de cabeça erguida neste planeta. o medo quer, pode e manda, próspero e eminente. O medo tem-nos a todos presos por um fio aqui em baixo. É verdade, meu caro. Filha, não te faças de desentendida... Um dia destes vou fazer frente ao medo.Vou fazer-lhe frente. Alguém tem de o fazer. Vou enfrenta-lo e dizer:Muito bem, cabrão, já chega. Já nos andas a dar ordens há tempo de mais. Eis alguém que não te quer aturar mais. Acabou-se. Fora!






Martin Amis





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terça-feira, abril 06, 2010

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas




Ruy Belo





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sexta-feira, abril 02, 2010

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quinta-feira, abril 01, 2010

O corpo tem abóbadas onde soam os
sentidos, se tocados de leve, ecoando longamente
como memórias de outra vida
em frios desertos ou praias de lama.
O passado não está ainda preparado para nós,
para não falar do futuro
; é certo que
temos um corpo, mas é um corpo inerte,
feito mais de coisas como esperança e desejo
do que de carne, sangue, cabelo,
e desabitado de línguas e de astros
e de noites escuras, e nenhuma beleza o tortura
mas a morte, a dor e a certeza de que
não está aqui nem tem para onde ir.

Lemos de mais e escrevemos de mais,
e afastámo-nos de mais – pois o preço era
muito alto para o que podíamos pagar –
da alegria das línguas. Ficaram estreitas
passagens entre frio e calor
e entre certo e errado
por onde entramos como num quarto de pensão
com um nome suposto; e quanto a
tragédia, e mesmo quanto a drama moral,
foi o melhor que conseguimos.

A beleza do corpo amado é
(agora sabemo-lo) lixo orgânico.
O mármore que pudemos foi o das casas de banho
e o dos balcões dos bancos,
e grandes gestos nem nos romances,
quanto mais nos versos! E do amor
melhor é nem falar porque as línguas
tornaram-se objecto de estudo médico
e nenhuma palavra é já suficientemente secreta.

Corpo, corpo, porque me abandonaste?
“Tomai, comei”, pois sim, mas quando
a química não chega para adormecermos,
a que divindades havemos de nos acolher
senão àquelas últimas do passado soterradas
sob tanta chuva ácida e tanta investigação histórica,
tanta psicologia e tanta antropologia?
A memória, sem o corpo, não é ascensão nem recomeço,
e, sem ela, o corpo é incapaz de nudez
e de amor. Agora podemos calar-nos
sem temer o silêncio nem a culpa
porque já não há tais palavras.






Manuel António Pina





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