quarta-feira, setembro 30, 2009
terça-feira, setembro 29, 2009
Como eu gosto de ti, ninguém o entenderia. Nem a cama esvaída que me obriga a desprender-me do corpo noutras roturas nocturnas e azedas. Nem a solidão taciturna que escorre devagar nos chuviscos flamejantes do amor. Como eu gosto de ti, nem o mundo o aceitaria. As árvores trépidas, os animais ferinos, a cadência dos lagos, mobília sisuda que ganha a morte sobre o couro crestado. Como eu gosto de ti, só a melodia do poente trova. E se a antemanhã sucumbe nas copas das sequóias - ricocheteando como uma bala célere - perfurando como um comboio alucinado - a incerteza dos teus sinais desmancha-se sobre os meus lençóis na loucura do leito. Como eu gosto de ti, só eu sei, de dentro para dentro, como um confim de baús entreabertos às galáxias chamejantes do céu da boca. Como eu gosto de ti, segredando-me da voz o rasto da tua presença, pernoitando-me de corpo fixo e amor esquivo, a temperança das tuas enchentes.
Alice Turvo
Alice Turvo
segunda-feira, setembro 28, 2009
Parabéns
aos meus pais pelos 41 anos de casados
aos meus pais pelos 41 anos de casados
Etiquetas: Interrompemos a programação habitual para compromissos emocionais
sábado, setembro 26, 2009
quinta-feira, setembro 24, 2009
quarta-feira, setembro 23, 2009
Lebre muito feliz porque um certo menino lhe ofereceu um livro maravilha (o coney island from the mind autografado pelo meu ferli)
tradução caseira da lebre
Que eu saiba talvez ela fosse mais feliz
que qualquer um
aquela velha solitária de xaile
no comboio com caixotes de laranja
com o passarinho manso
no seu lenço
e sussurrando-lhe
o tempo todo
mia mascotta
mia mascotta
sem que nenhum dos excursionistas de
domingo com as suas garrafas e cestos
prestasse qualquer
atenção
e o vagão
chiava através dos campos de milho
tão devagar que
borboletas
entravam e saíam
Lawrence Ferlinghetti
tradução caseira da lebre
Que eu saiba talvez ela fosse mais feliz
que qualquer um
aquela velha solitária de xaile
no comboio com caixotes de laranja
com o passarinho manso
no seu lenço
e sussurrando-lhe
o tempo todo
mia mascotta
mia mascotta
sem que nenhum dos excursionistas de
domingo com as suas garrafas e cestos
prestasse qualquer
atenção
e o vagão
chiava através dos campos de milho
tão devagar que
borboletas
entravam e saíam
Lawrence Ferlinghetti
terça-feira, setembro 22, 2009
sábado, setembro 19, 2009
quinta-feira, setembro 17, 2009
quarta-feira, setembro 16, 2009
terça-feira, setembro 15, 2009
segunda-feira, setembro 14, 2009
eu bem disse que este blog ia ser muito bom
parabéns pelos 100 posts
parabéns pelos 100 posts
Etiquetas: Interrompemos a programação habitual para compromissos culturais, Interrompemos a programação habitual para compromissos emocionais
domingo, setembro 13, 2009
sexta-feira, setembro 11, 2009
quando o poema se cumpre
Lume
(...)
Comecei a fumar para te pedir lume.
Para passar o frio.
Descobri que não viria a morrer
Nem de cancro pulmonar, nem de amor,
mas da própria morte, mal o lume se apagou
e o café fechou as portas. Para sempre.
Ana Salomé
(...)
O amor dito de palavra é açúcar nos ferrolhos da boca, amor adoçado nas gengivas como um beijo de campânula. Amor que sobra das palavras dorme ao relento de corpo purgado ao vento, escavacando as ervas-beldroegas com as suas garras de leão-persa. Aos olhos de um amor que ainda ama, a infinidade da noite é uma mentira eléctrica serpeando que nem enguia o choro das caldas de Cáspio. Aos meus olhos, o limbo da noite é estonteante e latente, dos olhos às mãos, e do peito à memória, uma âncora no céu-da-boca.
Alice Turvo - Férreos Transversais
Contributos para uma botânica feminista
Sei que tu tens um gineceu. Eu também tenho um androceu. Se fossemos
coerentes, nem sequer falávamos. (L)íamos.
Leio-te em Braille, cega de tanto te esperar.
Joana Serrado
como sou incapaz de contar histórias fotografo corpos
muitas vezes como maneira de agarrar o vento
faço construções de quem conhece por dentro a monotonia
e para aumentar o grão
anoto o vermelho que trespassa o olhar vazio
Maria Sousa
Lume
(...)
Comecei a fumar para te pedir lume.
Para passar o frio.
Descobri que não viria a morrer
Nem de cancro pulmonar, nem de amor,
mas da própria morte, mal o lume se apagou
e o café fechou as portas. Para sempre.
Ana Salomé
(...)
O amor dito de palavra é açúcar nos ferrolhos da boca, amor adoçado nas gengivas como um beijo de campânula. Amor que sobra das palavras dorme ao relento de corpo purgado ao vento, escavacando as ervas-beldroegas com as suas garras de leão-persa. Aos olhos de um amor que ainda ama, a infinidade da noite é uma mentira eléctrica serpeando que nem enguia o choro das caldas de Cáspio. Aos meus olhos, o limbo da noite é estonteante e latente, dos olhos às mãos, e do peito à memória, uma âncora no céu-da-boca.
Alice Turvo - Férreos Transversais
Contributos para uma botânica feminista
Sei que tu tens um gineceu. Eu também tenho um androceu. Se fossemos
coerentes, nem sequer falávamos. (L)íamos.
Leio-te em Braille, cega de tanto te esperar.
Joana Serrado
como sou incapaz de contar histórias fotografo corpos
muitas vezes como maneira de agarrar o vento
faço construções de quem conhece por dentro a monotonia
e para aumentar o grão
anoto o vermelho que trespassa o olhar vazio
Maria Sousa
Etiquetas: Interrompemos a programação habitual para compromissos culturais, Interrompemos a programação habitual para compromissos emocionais
quinta-feira, setembro 10, 2009
Todas as pessoas foram morrendo, mais tarde ou mais cedo, de mortes diferentes que podem ter sido a chamada morte ou a chamada vida, e acabaram por desaparecer dentro de uma cova e cobertas de flores, ou talvez à superfície, na outra ponta da cidade (...). Foram-se tornando vagos habitantes de uma mente desmemoriada, como eram, que vozes tinham?
Maria Judite de Carvalho
Maria Judite de Carvalho
quarta-feira, setembro 09, 2009
Amedeo Modigliani & Jeanne Hébuterne
amadeo:
certo dia, quando pintava o retrato de soutine e a mão deixara de me seguir, soutine disse-me:
- bebes para te matares.
e eu perguntei-lhe:
- e tu, soutine, o que te levou à tentativa de te enforcares?
saímos, depois, em silêncio para a rua. vimos o sena latejar sob as pontes e engolir as estrelas da imensa noite de paris.
jeanne:
soutine tinha razão. os anos passaram, não muitos, e amadeo tentara arranjar coragem para deixar de beber. foi inútil, e às vezes era violento - apesar de saber que eu nunca o abandonaria.
amadeo:
jeanne pressentiu que eu não precisaria de muito tempo para realizar a minha obra. sempre vivi como um meteoro.
soutine:
a 25 de janeiro de 1920, jeanne soube da morte de amadeo. refugiou-se num quarto em casa dos pais, num quinto andar. abriu a janela e saltou para junto dele.
Al Berto
amadeo:
certo dia, quando pintava o retrato de soutine e a mão deixara de me seguir, soutine disse-me:
- bebes para te matares.
e eu perguntei-lhe:
- e tu, soutine, o que te levou à tentativa de te enforcares?
saímos, depois, em silêncio para a rua. vimos o sena latejar sob as pontes e engolir as estrelas da imensa noite de paris.
jeanne:
soutine tinha razão. os anos passaram, não muitos, e amadeo tentara arranjar coragem para deixar de beber. foi inútil, e às vezes era violento - apesar de saber que eu nunca o abandonaria.
amadeo:
jeanne pressentiu que eu não precisaria de muito tempo para realizar a minha obra. sempre vivi como um meteoro.
soutine:
a 25 de janeiro de 1920, jeanne soube da morte de amadeo. refugiou-se num quarto em casa dos pais, num quinto andar. abriu a janela e saltou para junto dele.
Al Berto
sexta-feira, setembro 04, 2009
Podemos ficar sentados a noite inteira
à espera de um sinal que nunca chega,
podemos num desespero sem nome perder
o gosto de tudo, enquanto o eu permanece
brilhante, estupidamente brilhante,
a sussurrar-nos ao ouvido a desgraça;
podemos, numa lufa-lufa, ir de filme
em filme, de livro em livro, como quem
sem terra procura uma casa, um lugar
a que possa chamar seu, onde tenha os seus
pertences e tempo para rir e tempo para
se aborrecer. Podemos ter pena de nós próprios,
podemos viver.
Carlos Bessa
à espera de um sinal que nunca chega,
podemos num desespero sem nome perder
o gosto de tudo, enquanto o eu permanece
brilhante, estupidamente brilhante,
a sussurrar-nos ao ouvido a desgraça;
podemos, numa lufa-lufa, ir de filme
em filme, de livro em livro, como quem
sem terra procura uma casa, um lugar
a que possa chamar seu, onde tenha os seus
pertences e tempo para rir e tempo para
se aborrecer. Podemos ter pena de nós próprios,
podemos viver.
Carlos Bessa
quarta-feira, setembro 02, 2009
terça-feira, setembro 01, 2009
A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem
os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até
que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.
Albano Martins
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem
os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até
que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.
Albano Martins