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quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Chegam cedo de mais, quando ainda não podem escolher
nem decidir Vêm carregados de espectros, de memórias
e de feridas que não souberam sarar; mas trazem a confiança
da cura nas palavras. Convencem-se de que amam outra vez

quando nos tocam os pequenos lugares, esquecendo-se do rumo
incerto dos seus passos nas estradas tortuosas que os
trouxeram. Abafam-se num cobertor de mentiras sem saber e
falam de injustiça quando tentamos chamá-los à verdade.

Dormem de vez em quando nas nossas camas e protegemo-los
da dor como aos filhos que não iremos ter nunca
porque não nos resignamos a perdê-los. E, um dia, partem, vão

culpados, não chegam a explicar o que os arrasta. Escrevem
cartas mais tarde — uma ou duas para se aliviarem dessa espada.
E nós ficamos, eternamente, sem vergonha, à espera que regressem.



Maria do Rosário Pedreira



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terça-feira, fevereiro 27, 2007

Parabéns Manel

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gosto muito de ti

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

O corpo dividido em duas partes
fechadas
à chave uma na outra, avanço
num duplo coração como se fosse
ao mesmo tempo num só barco por dois rios.



Luís Miguel Nava


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sábado, fevereiro 24, 2007

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sexta-feira, fevereiro 23, 2007

as pessoas morrem nunca partem de nós, eu separei-te
de mim, cortei-te-me. em cinemas imaginários filmados por
mãos iluminadas usei teu corpo. coloquei o deserto do teu
coração rente à minha boca. lavaram-me o desespero as
lágrimas que choravas no escuro. parti-te.
estou a fazer-te luto. desejei-te tanto. discuti-te tanto
contigo. agora percebo que te atirei demais contra tantos
poemas.
agora encontramo-nos. eu tenho de colar-te os restos
para conseguir ver-te para além do que trago molhado nos
olhos, acabou o passeio no meu jardim interior, pleno de estatuas
quebradas, as noites acabo sempre assim, abraçado ao rosto
restos da pedra, agradecendo-lhe as imagens.



Pedro Sena-Lino


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quarta-feira, fevereiro 21, 2007

nesta noite tu estás como anúncio
PRECISA-SE
na página gasta da minha pele

Vasco Gato

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segunda-feira, fevereiro 19, 2007

entrudemos
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(...)
Já te disse isto?: por vezes o teu corpo sai da sombra.
Nunca me preparei para esses momentos, estou sempre
por um triz onde a beleza devora tudo.

(...)


Vasco Gato


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sexta-feira, fevereiro 16, 2007

-[...]o facto de tu seres tu não significa que eu não te inventei.
- Eu também existo.
- Também. Também existes e eu também te inventei. «Também» é uma boa palavra a lembrar. Tu também não existes como tu sozinha.




Philip Roth


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quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Respiração do tempo
a rectidão da água; o crescimento
das avenidas, ao anoitecer, sob a nua
vibração dos faróis;

o laço, mesmo, das portas só
entreabertas, onde a luz
silenciosa se demora;

são memórias, decerto, de um anterior
esquecimento, uma inocente
fadiga das coisas,

como os corpos calados, abandonados
na véspera da guerra, o teu
jeito para

o desalinho branco das palavras,
altas as
asas de nuvens no clarão do céu

em vão rigor abrindo
o destinado enigma: assim
desconhecer-te cada dia mais

ausente de recados e colheitas,
em assustado bosque, em sombra
clareira,

ao risco dos rios frívolos descendo
seixos polidos, desinscritos,
imóveis movendo

a luz do dia;
a margem recortada, aonde vivem
ausentes e seguros, os luminosos

animais do inverno;
assim são na verdade os muros claros;
assim respira o tempo, a terra intensa.



António Franco Alexandre


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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Em dias de sílabas que
talvez consigam dar sentido ao ontem
(é aí que te arrumo)

há sempre os primeiros sons quando do outro lado
da voz as palavras estão vagas

com o frio a roçar a garganta
tudo está destinado à fala

dizem que há métodos para abrir o resto da respiração


Maria Sousa



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terça-feira, fevereiro 13, 2007

há dias assim


God, I wish I knew how to quit you!
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Tell you what. The truth is...sometimes I miss you so much I can hardly stand it.
tradução caseira da lebre


Ervas, alho,
queijo, por favor, deixem-me entrar!
Souflés, salada,
rolos Parker House,
por favor, deixem-me entrar!
Cozinheira Helen, porque estás zangada,
porque é que a tua cozinha está proibida?
Não me podias ao menos ensinar a
assar uma batata?
Esse encanto
esse jovem príncipe?
Não, não!
Este é o meu país!
Gritas silenciosamente.
Não me podias mostrar o
molho, como o retiras do estômago daquele pássaro?
Helen, Helen,
deixa-me entrar, deixa-me sentir a farinha,
é cega e assustadora,
esta coisa que faz bolos?
Helen, Helen,
A cozinha é o teu cão,
que afagas,
amas,
e manténs limpo.
Mas estas coisas todas,
todos estes pratos de coisas
aparecem através da porta articulada
e eu não sei de onde vêm?
Helen, dá-me um bocado de geleia de tomate,
não quero estar só.



Anne Sexton


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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

para a menina limão

Donzelas


Conheci algumas. Não parecem
mortais. E nem se enfadam nem se riem
às gargalhadas. E acordam sempre
como se já estivessem maquilhadas,
rosadas, sem malícia, saudáveis.
Não usam nunca fato com casaco,
mas sim véu de tule até aos pés.
Andam descalças mesmo no Inverno,
nunca têm calor nem têm frio
passam a vida inteira à espera.
Nunca se impacientam. Mas às vezes,
a imensa maioria das vezes,
não há dragão que queira sequestrá-las
nem cavaleiro andante que as salve.


Amalia Bautista


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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

num dia de Inverno falta ao verde
ter a forma de clareira
quando as árvores se dobram
são feitas de sombra
perdemos o toque de cada gesto
a fazer folhas



Maria Sousa


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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Dá-me chuva
como mãos vivas
ou passa-me
o instante
na ponta de uma faca
eu fico aberta.




Pia Tafdrup



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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

PSSSSSST!


Porque é que a lebre se parece com um termometro?
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terça-feira, fevereiro 06, 2007

Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se.



Helder Moura Pereira



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segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Vou pôr anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro da água.
Vou querer que me ame e abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.



António Franco Alexandre


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sexta-feira, fevereiro 02, 2007

loose,footloose, kick off your Sunday shoes
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This, Madame, is Versailles.
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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas mais húmidas e chãs
com que em casa se cozinhavam perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.



Maria do Rosário Pedreira



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