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domingo, julho 31, 2005

Férias
(lebre em modo malas)

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Coisas de luz antiga


Aquele namorado que tinha
um nome bom: há quanto tempo foi?
A vida resvalante como gelo
e aquele namorado de nome bom
e férias, ficou perdido em luz,
mais de vinte anos.

Deu-me uma vez a mão
um beijo resvalante à hora de deitar
e na pensão. Mas tinha um nome bom.
falava de cinema e calçava de azul
e um bigode curtinho,
que escorregou aceso como gelo
no centro da pensão.

Rasguei as cartas dele
há quinze anos, em dia de gavetas
e de luz, e nem fotografia me ficou
de desarrumação. Mas tinha um nome bom,
falava de cinema e calçava de azul
e resvalou-me quente como gelo
à hora de deitar:

um namorado sem falar
de amor

(que a timidez maior
e o quarto dos meus pais
nessa pensão
no mesmo corredor)


Ana Luísa Amaral



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sábado, julho 30, 2005

As meninas


Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:
"Bom dia!"

Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina
a mais sábia menina.

E Maria
Apenas sorria:
"Bom dia!"

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;
uma que se chamava Arabela,
outra que se chamou Carolina.

Mas a nossa profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de amizade:
"Bom dia!"


Cecília Meireles



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(sim, sim, mais um post narcisista da lebre)

quinta-feira, julho 28, 2005

Manhã

Ilumino-me
de imenso.


Giuseppe Ungaretti



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quarta-feira, julho 27, 2005

mais uma traduçao "caseira" da lebre

Há palavras tão belas e fugazes
que não me posso negar a oferece-las
a fixa-las em mapas que te explorem

Há poemas com frutas do ultramar
que envio urgentemente
e não sei se a tua noite
saboreia ou recusa

Há regiões da vida que proíbem
a entrada aos poetas “proibido
invadir com palavras”


Aurora Luque


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terça-feira, julho 26, 2005

A porta aporta
a porta roda ao invés da lua
a porta roda bússula enterrada ao invés dos olhos
a porta geme é um cão nocturno
a porta geme extinta na trela da noite
a porta areia
a porta caruncho pária de mar
a porta maré que vem e que vai que bate e que fecha
a porta com máscara de morte
a porta sem sorte
a porta joelho na alma das portas
a porta mulher da casa de passe
a porta manchou a manhã com o grito de porta
a porta enforcada no mastro da casa
a porta por asa
a porta roda
a porta sexo a vida toda
a porta tosca da madrugada pregos são estrelas mortas
a porta pregada
a porta leilão
a porta batente a porta aranha por coração
a porta tu
a porta eu
a porta ninguém na terra pequena
a porta roda
a porta geme
a porta facho
a porta leme


Luiza Neto jorge



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(pedrinho, obrigada pela fantástica foto)

domingo, julho 24, 2005

mais uma traduçao "caseira" da lebre

experiência

ela misturou ácido da tinta com sal
do mar e feridas da alma
ela misturou
ela gravou no deserto insensível
e no papel piedoso
asas e desejos
ela tentou voar…


Fawziyya Abu Khalid


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sexta-feira, julho 22, 2005

no instante em que te explico
que as palavras estão sujas de cansaço
em que te falo do sabor da tristeza,

em cada sílaba irrompem sombras
do riso de criança que por vezes me invade os olhos
da inocência de menina que lia contos
a leste do sol e a oeste da lua

nessas noites sem rosto desisto do silêncio
e na urgência das palavras, dou-me por inteiro


eue


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quinta-feira, julho 21, 2005

PENUMBRA

Velha penumbra
que sempre foste,
húmida boca de astros volantes
e o barco cego,
sem porto, ou praia, aonde acoste...

Se existes viva,
com nervos ágeis,
e abres das águas o voo largo,
tines cristais
de ventos frágeis, de tectos frágeis.

Podes ser monstro,
podes ser cobra,
ser ovo, ave, língua de fogo,
nome no pó, gládio de jogo
de anjos rebeldes que o sol manobra.

Se vens do Demo,
é nos amigos,
irmãos oblíquos, estátuas escuras,
que me desenhas todos os perigos
e me assinalas as sepulturas.

Na tua esfera
de luz difusa,
vai-se silêncio pelo tempo fora.
Quem se recusa?
Quem chega agora?

Natércia Freire


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terça-feira, julho 19, 2005

and the nonsense goes on and on and on

The flight of the old woman who was tossed up in a basket
(Containing the manner how, & the purpose for whick, she was tossed up together with dangers & difficulties she encountered on her voyage. The whole forming a complete pictorial journal or handbook for the sky.)

There was an old woman tossed up in a basket
Nineteen times as high as the moon.
And where she was going I couldn't but ask it
For in her hand she carried a broom.

'Old woman! old woman!! old woman!!!' quoth I.
'Oh whither Oh whither Oh whither, so high.'
'To sweep the cobwebs off the sky.'
'And I'll be with you again by and bye.'

(ver a imagem de baixo para cima)
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segunda-feira, julho 18, 2005

lebre em Lear mode

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pedrinho, lembras-te disto?

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sexta-feira, julho 15, 2005

roubado daqui

Requiem por Ruth Handler


Morreu ontem a mãe da Barbie,
a boneca adolescente. À semelhança de
Atena, Barbie saiu armada dum
cérebro, não divino, mas industrioso,
com a longa cabeleira e a azúlea mirada.

Morreu a mãe da Barbie, a filha
que nunca será órfã, pequeno duende
de soutien 38 e de 33 polegadas
de altura. Trinta e três polegadas
multidesejantes de sonho
anatomicamente impossível.

Morreu a mãe da Barbie, que
faz ballet, ski, patins em linha e
todos os desportos radicais e tem
um namorado elegante, que jamais
a trairá e amigos tão anatomicamente
imperfeitos como ela.

Morreu a mãe da Barbie, que vai
a todas as festas com muitos
vestidos de gala e enegreceu
há uns anos, qual Naomi Campbell, para
ser consumida pela boa
consciência racial do Ocidente.

Morreu a mãe da Barbie, que jamais
a viu, assim anatomicamente imutável,
padecer de uma gravidez adolescente.
A Barbie é sabida e deve ter tido educação
sexual. Que fará ela, com o Ken
no regresso de tantas festas?

Nem paixão, nem desgosto, nem fome
ou uma boa tareia dos adultos, alteram
a sua fábula de plástico, muito menos
fabulosa que a Branca de Neve ou a
Bela Adormecida, onde existiam
humanas bruxas, vencidas maldições
e príncipes que davam beijos ao acordar.

Morreu a mãe da Barbie, cedo demais
para inventar uma Barbie de burka,
ou de explosivos escondidos no cinto. No
fim da vida continuava a vender milhões
de próteses mamárias, na sequência da sua
própria mastectomia. Coisas sem brilho,
impossíveis de acontecer
à Barbie.


Inês Lourenço



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quinta-feira, julho 14, 2005

O que for simples

Quero de ti o que for simples
um aceno um postal
o teu nome numa concha

Ter apenas isto:
um banco de jardim
onde te esperar
e esperar

Vasco Gato



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quarta-feira, julho 13, 2005

a mulher reduz-se ao reverso da moldura

desfaz-se em palavras sobrepostas
espessura de quem , com frenesim, colecciona rascunhos

no retrato encenam-se cópias das perguntas

uma após outra despertam dos pedaços
que rasgam a cinza da paisagem

na noite dorme um nome pequenino
disfarçado de cansaço

lugar onde o choro se esconde nas paredes da casa



eue


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terça-feira, julho 12, 2005

mais uma traduçao caseira da lebre

Desespero

Quem é ele?
Um carril de comboios em direcção ao inferno?
Partindo-se como um pau de mobília?
A esperança que subitamente transborda da fossa?
O amor que vai pelo cano abaixo como cuspo?
O amor que disse para sempre, para sempre
e depois te atropela como um camião?
És tu uma oração que flutua para um anúncio de rádio?
Desespero,
não gosto muito de ti.
Não ficas bem com a minha roupa e os meus cigarros.
Porque te instalas aqui
tão grande como um tanque
apontando para metade duma vida?
Não podias apenas flutuar para uma árvore
em vez de te alojares aqui nas minhas raízes,
forçando-me para fora da vida que levei
quando tem sido a minha barriga por tanto tempo?

Está bem!
Eu levo-te comigo na viagem
onde por muitos anos
os meus braços têm estado mudos


Anne Sexton


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domingo, julho 10, 2005

A beleza é um bom pretexto para se enlouquecer, o pecado da beleza, no verão a cidade está vazia, a solidão é um bom pretexto para se enlouquecer, no verão a cidade pertence aos vagabundos e aos velhos, aos que são obrigados a ficar, aos que não podem partir , todos irmanados no ventre infindo de tamanho e segredo, com o calor há sempre quem mate por razoes alheias à vontade, o calor ferve o sangue que uma vez derramado é rapidamente pó, um pó que se entranha facilmente na calçada , a beleza e a solidão são bons pretextos para se enlouquecer, sempre foram, pensava nisso e continuava sentado à espera de se ir embora, quando não se tem para onde ir o tempo gasta-se à espera da vontade de partir, gasta-se apenas.


Dulce Maria Cardoso


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sábado, julho 09, 2005

O meu pai doente de sonhos
no asfalto incandescente de cem mil meios dias caminhados
debaixo do sol na vertical
perdeu os pés
rastejando com os joelhos continua à procura
do caminho de volta para casa.
O meu pai sonha,
derrotado pelo cansaço,
que volta à sua terra, planta as pernas e que lhe crescem pés jovens
e que a seiva da sua terra negra lhe alivia a dor das rugas
e lhe ressuscita os cabelos mortos.
Depois acorda num andar alugado na cidade dos furacões da miséria
e blasfema e maldiz e não tem amigos.

Escondido na noite
o papá chora pelas certezas que o defraudaram.
Do outro lado da sua pele
a mamã chora pela mamã
a mamã chora pela casa onde já não mora
e por paz e descanso e riso.

O papá e a mamã choram
cada um de costas para o outro na cama
no mais cru estrondoso formoso silêncio
que modula em frequências infra-humanas
sons que se articulam como palavras:
“se aqui não estão os meus sonhos
como posso dormir aqui?”.

Apenas eu os ouço
com a cabeça enterrada na almofada.

Concebida da nostalgia
nasci com lágrimas no sexo com terra nos olhos com sangue na cabeça.
Não sou o que sonharam
nem as suas vidas o são.


Miriam Reyes



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sexta-feira, julho 08, 2005

roubado ao blog do bar mais lindo de lisboa


PARALELO W

Largos largos largos LARGOS HORIZONTES
- não te recordarei. Há um país fatal,
existe uma zona de aventura, um segredo.

O amor possui o tempo - Ignora
que já não há velas nem os capitães
são agora donos de seus barcos.
Tudo que nos transporta participa
do nosso imparável movimento.

Ignora

que os ancoradouros são para navios
mas os navios partem
e por vezes não regressam

Todos os meus amigos são rosas brancas
todo o meu amor é ave lenta

No entanto

prefiro-me veneziano rápido
oferecendo anéis aos mendigos
vestir-me de rubro e negro para ti
ao som dos clarins
fluir viagem de flores súplice de perigo

os navios partem
por vezes não regressam e todavia
eis O SUL - uma palavra, um gesto
um lugar, um anel
- rápido som de clarim
Viagem de Flores
Perigo

este é o tempo em que morrem os príncipes
ao sol posto num final sereno
e se iniciam os ritos bárbaros
da Grande Velocidade

manchas no céu da noite
quebram e reunem seus corpos
em cósmicos espelhos
enquanto um mágico aceno de fluor
descreve a partida das nossas frotas
na imensidão azul escura
cristalizando no oculto um sentido
para a vida e para a morte
concretizando o movimento dos nossos músculos
- um brilho que cheira a limo e sal.

Sobre os cadáveres assim incorruptíveis
dos velhos príncipes desagregados no mar
passam os navios
e a geração angélica e terrível
talha o seu destino sobrehumano
onde a noite vai expulsar os astros
iniciar-se, e ter um nome diferente.


MANUEL DE CASTRO



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quinta-feira, julho 07, 2005

Alguém parte uma laranja em silêncio, à entrada
de noites fabulosas.
Mergulha os polegares até onde a laranja
pensa velozmentem e se desenvolve, e aniquila, e depois
renasce. Alguém descasca uma pêra, come
um bago de uva, devota-se
aos frutos. E eu faço uma canção arguta
para entender.
Inclino-me sobre as mão ocupadas, as bocas,
as línguas que devoram pela atenção dentro.
Eu queria saber como se acrescenta assim
a fábula das noites. Como silêncio
se engrandece, ou se transforma com as coisas. Escrevo
uma canção para ser inteligente dos frutos
na língua, por canais subtis, até
uma emoção escura.


Herberto Helder


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quarta-feira, julho 06, 2005

xli. [fim de amor]

tiveste um nome e era o meu

porque partiste tão cedo
palavra tão palavra
que para designar-te nada
nenhum deus te era linguagem
nenhum silêncio te gritava
e o meu corpo não chegava
para a vida me caber inteira

porque partiste ácida e vazia
como veneno como sangue
porque partiste como água
morta que só não corre mais
e o que fazer deste mundo
que assenta no morto que sou eu

tiveste o nome e eu era-o

como a natureza chama o seu contrário
os pulsos do ruído surdo
rasgam as paredes do tempo
digo o meu nome dentro da cabeça
e nem o eco me pertence

tive o teu nome e era o meu

partiste todas as palavras
partiste em todas as palavras
e os verbos nascem mortos na garganta
as palavras não dizem as palavras
e as palavras pensamentos sem corpo
agarram um horizonte negro
improferivelmente eu

já tive um nome
agora sou apenas eu

pedro sena-lino



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terça-feira, julho 05, 2005

Quando eu era criança gostava muito de olhar as nuvens.Havia umas redondinhas muito luminosas que se amontoavam por vastas áreas do azul do céu que os meus olhos percorriam encantados. Uma vez perguntei: o que é aquilo? São os anjinhos, responderam-me, e eu acreditei porque era verdade.

Ana Hatherly


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segunda-feira, julho 04, 2005

o novo emilio da lebre

lebredoarrozal@gmail.com


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sexta-feira, julho 01, 2005

és o canto de um quarto onde o dia acaba

hesitas entre os princípios de sombra
a ondular pela cortina
estás a meu lado mas
os olhos ficam-se-te pelas manchas dos dias gastos

vestimos fatos de silêncio domingueiro
e as palavras aparentemente livres são maneiras de varrer os
significados com que os pássaros pintam as nuvens

que importa um olhar triste quando o velho é cada vez mais velho



eue


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