domingo, maio 31, 2009
sexta-feira, maio 29, 2009
quinta-feira, maio 28, 2009
Sempre que sobre mim poisava os olhos, o olhar dele era o de quem os volta para dentro de si próprio, como se nesse espaço me quisesse aprisionar ou dele, sem que eu sequer o suspeitasse, há muito me tivesse feito residente. Raro era, porém, surgirem sob as pálpebras, no rosto, onde seria de esperar vermo-los, esses olhos. Não o faziam senão quando, como depois veio a ser sabido, até aí com ímpeto os alçava o seu mar interior nas suas cristas.
luís miguel nava
luís miguel nava
quarta-feira, maio 27, 2009
terça-feira, maio 26, 2009
tradução caseira da lebre
Nada se modera nem se suaviza na memória, que imagina e adorna cada momento. Nada se despoja, salvo a indiferença. Antes dizia: não me esqueças; agora: esquece-me por favor. No esquecimento está a minha esperança, na recordação a minha tortura; mas o mais terrível de tudo é que prefiro a recordação ao esquecimento, e a tortura à esperança.
Silvina Ocampo
Nada se modera nem se suaviza na memória, que imagina e adorna cada momento. Nada se despoja, salvo a indiferença. Antes dizia: não me esqueças; agora: esquece-me por favor. No esquecimento está a minha esperança, na recordação a minha tortura; mas o mais terrível de tudo é que prefiro a recordação ao esquecimento, e a tortura à esperança.
Silvina Ocampo
segunda-feira, maio 25, 2009
sábado, maio 23, 2009
sexta-feira, maio 22, 2009
quinta-feira, maio 21, 2009
Os poemas podem ser desolados
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho.
Rui Pires Cabral
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho.
Rui Pires Cabral
quarta-feira, maio 20, 2009
sábado, maio 16, 2009
sexta-feira, maio 15, 2009
It's very difficult to keep the line between the past and the present. You know what I mean? It's awfully difficult. (little Edie)
Etiquetas: Interrompemos a programação habitual para compromissos emocionais
quinta-feira, maio 14, 2009
quarta-feira, maio 13, 2009
terça-feira, maio 12, 2009
tradução caseira da lebre
Algumas pessoas vendem o seu sangue. Tu vendes o teu coração.
Era isso ou a alma.
A parte difícil é tirar a maldita coisa para fora.
Uma espécie de torção. Como abrir uma ostra,
a tua espinha, um pulso,
e depois, upa! Está na tua boca.
Viras-te parcialmente do avesso
como uma anémona do mar a cuspir um seixo.
Há um “plop”quebrado, o som
de vísceras de peixe a cair num balde.
E ali está, um enorme coágulo vermelho escuro
do passado ainda-vivo, a cintilar inteiro no prato.
Vai passando de mão em mão. É escorregadio.É deixado cair.
Mas também degustado. Muito grosseiro, diz um. Muito salgado.
Muito amargo, diz outro, fazendo uma cara.
Cada um é um gourmet instantâneo,
e tu ficas a ouvir isto tudo
a um canto, como um empregado de mesa recém-contratado,
a tua mão tímida e habilidosa na ferida escondida
no fundo da camisa e peito,
timidamente, sem coração.
Margaret Atwood
Algumas pessoas vendem o seu sangue. Tu vendes o teu coração.
Era isso ou a alma.
A parte difícil é tirar a maldita coisa para fora.
Uma espécie de torção. Como abrir uma ostra,
a tua espinha, um pulso,
e depois, upa! Está na tua boca.
Viras-te parcialmente do avesso
como uma anémona do mar a cuspir um seixo.
Há um “plop”quebrado, o som
de vísceras de peixe a cair num balde.
E ali está, um enorme coágulo vermelho escuro
do passado ainda-vivo, a cintilar inteiro no prato.
Vai passando de mão em mão. É escorregadio.É deixado cair.
Mas também degustado. Muito grosseiro, diz um. Muito salgado.
Muito amargo, diz outro, fazendo uma cara.
Cada um é um gourmet instantâneo,
e tu ficas a ouvir isto tudo
a um canto, como um empregado de mesa recém-contratado,
a tua mão tímida e habilidosa na ferida escondida
no fundo da camisa e peito,
timidamente, sem coração.
Margaret Atwood
domingo, maio 10, 2009
sábado, maio 09, 2009
sexta-feira, maio 08, 2009
quarta-feira, maio 06, 2009
A menina dança?
Que se há-de dizer, quando um homem nos pede para dançar? Isso é que eu não vou, havemos de nos encontrar no inferno primeiro. Ora essa, muito obrigada, gostaria imenso, mas estou com as dores do parto. Oh, sim, dancemos juntos - é tão bom encontrar um homem que não tem medo de ser contagiado pelo meu tifo. Não. Não havia nada a fazer senão dizer: gosto imenso. Bem, vamos lá acabar com isto. Está bem, Cannonball, corramos por esses campos fora. Ganhaste a partida; guia tu.
Ui! Pelo amor de Deus, seu idiota, não dê pontapés. Ai, a minha canela, a minha pobre, pobre canela que sempre tive desde pequenina.
Quando te derem uma canelada, sorri.
Dorothy Parker
Que se há-de dizer, quando um homem nos pede para dançar? Isso é que eu não vou, havemos de nos encontrar no inferno primeiro. Ora essa, muito obrigada, gostaria imenso, mas estou com as dores do parto. Oh, sim, dancemos juntos - é tão bom encontrar um homem que não tem medo de ser contagiado pelo meu tifo. Não. Não havia nada a fazer senão dizer: gosto imenso. Bem, vamos lá acabar com isto. Está bem, Cannonball, corramos por esses campos fora. Ganhaste a partida; guia tu.
Ui! Pelo amor de Deus, seu idiota, não dê pontapés. Ai, a minha canela, a minha pobre, pobre canela que sempre tive desde pequenina.
Quando te derem uma canelada, sorri.
Dorothy Parker
terça-feira, maio 05, 2009
segunda-feira, maio 04, 2009
No fim de contas, não admirei sempre aqueles que batem com a porta e se vão embora? Eu sei que no fundo nos fartam as nossas vidas perfeitamente em ordem, de maneira que ao ouvirmos “deixou todos boquiabertos” ou “disse que não e foi-se embora sem mais nem menos” sentimos uma profunda inveja daqueles que se atrevem a bater estrondosamente com a porta.
Enrique Vila-Matas
Enrique Vila-Matas