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quarta-feira, junho 30, 2004

no momento em que me cresce nos olhos a morte dos sorrisos
as palavras são pancadas secas reinventadas numa natureza morta com lágrimas

com um sussurro na boca inspiro e expiro pétalas
E na explosão do silêncio, acabo de nascer na ausência

sim

as lágrimas cheiram a tulipas.

assusta-me a respiração desordenada dos instantes
onde o esquecimento está entre o sol e o sal.

dividida entre a luz inocente e as sílabas que a matam

devia fazer frio mas o sol é espesso

as tulipas e as mãos escrevem palavras no limiar da caligrafia
cristalizam-se estribilhos de mágoa

ninguém lê nas lacunas que separam a sombra dos dias
e onde começa a dor, voam lábios atados pelo silêncio.

a luz inocente aguarda a noite onde
as mãos abandonam-se aos dias por abrir

quando os rumores dão um nó nas lágrimas
que me bebem os olhos
as noites são frágeis e cortam o amanhecer

lentamente a luz cai sobre as palavras
tenho feridas no limiar da manhã quando vocábulos
dançam a pique numa metamorfose que
lentamente cai sobre as palavras


eue


terça-feira, junho 29, 2004

No temas al silencio cuando ya no hay palabras
en tus manos

En el desván del alma las cosas desempolvan nuevos
nombres
que habrán de obedecerte
dócilmente.



Elizabeth Azcona Cranwell


segunda-feira, junho 28, 2004

guardarei do teu rosto apenas o nome. a dor do espinho rasgando a pele para que nela entre uma palavra, somente uma palavra, gravada na coluna que sustentava a nossa infância.
o mel e o azeite reúnem-se entre flores e mantas de musgo. mesmo no interior da cidade. o pão reveste-nos de sombra. o teu nome reveste-nos de dor nesta noite em que vigiamos o forno do alto da mais alta torre.
pouco ficou da viagem: o rio nutrindo-se da ponte e da figueira. o teu nome - alimentando o sangue que guardo neste poema.


Ruy Ventura


domingo, junho 27, 2004

Um cientista tem um tubo de ensaio com carneiros.
Quer saber se encolher um pasto para eles se ficam como
grãos de arroz. Quer saber se é possível encolher algo fora da
existência. Quer saber se os carneiros estão cientes da sua
pequenez, se têm algum sentido da escala. Talvez pensem que
o tubo de ensaio é um celeiro de vidro...
Quer saber o que deve fazer com eles;
têm certamente menos carne e lãs do que carneiros ordinários.
Reduziu seu valor comercial? Quer saber se poderiam ser
usados como um substituto para o arroz, um genérico do arroz...
Quer saber se se os friccionar obtém pasta
vermelha entre seus dedos. Quer saber se continuam produzindo,
ou se alguns deles morrem. Põe-os sob um microscópio, e
cai adormecido contando-os...

Russell Edson



sexta-feira, junho 25, 2004

Já não é a primeira vez que falo deste filme aqui,mas hoje voltou-me a dar uma vontade enorme de o rever. (e não é por ser com o meu Ewan)
Gostava tanto que traduzissem o livro da Sei Shonagon para português


When God made the first clay model of a human being He painted in the eyes ... the lips ... and the sex.

And then He painted in each person's name lest the person should ever forget it.

If God approves of His creation, He breathed the painted clay model into life by signing His own name.











segunda-feira, junho 21, 2004

Em noite de solstício ando perdida entre a música da Nico e a duas mais recentes paixões musicais , a Linda Perhacs e a Vashti Bunyan


The Fairest Of The Seasons
Now that it's time
Now that the hour hand has landed at the end
Now that it's real
Now that the dreams have given all they had to lend
I want to know do I stay or do I go
And maybe try another time
And do I really have a hand in my forgetting ?

Now that I've tried
Now that I've finally found that this is not the way,
Now that I turn
Now that I feel it's time to spend the night away
I want to know do I stay or do I go
And maybe finally split the rhyme
And do I really understand the undernetting ?

Yes and the morning has me
Looking in your eyes
And seeing mine warning me
To read the signs carefully.

Now that it's light
Now that the candle's falling smaller in my mind
Now that it's here
Now that I'm almost not so very far behind
I want to know do I stay or do I go
And maybe follow another sign
And do I really have a song that I can ride on ?

Now that I can
Now that it's easy, ever easy all around.
Now that I'm here
Now that I'm falling to the sunlights and a song
I want to know do I stay or do I go
And do I have to do just one
And can I choose again if I should lose the reason ?

Yes, and the morning
Has me looking in your eyes
And seeing mine warning me
To read the signs more carefully.

Now that I smile,
Now that I'm laughing even deeper inside.
Now that I see,
Now that I finally found the one thing I denied
It's now I know do I stay or do I go
And it is finally I decide
That I'll be leaving
In the fairest of the seasons.

Nico


sábado, junho 19, 2004

É preciso soltar o ritmo que me prende.
Esta amarra de ferro à palavra e ao som.
Emudecer, no espaço, o arco e a corrente
E ser nesta varanda um pouco só de cor.
Não saber se uma flor é mesmo uma criança.
Se um muro de jardim é proa de navio.
Se o monumento fala, se o monumento dança.
Se esta menina cega é uma estátua de frio.
Um pássaro que voa pode ser um perfume.
Uma vela no rio, um lenço no meu rosto.
Na tarde de Fevereiro estar um dia de Outubro.
Nos meus olhos de morta uma noite de Agosto.
É preciso soltar o ritmo das marés,
Das estações, do Amor, dos signos e das águas,
Os duendes das plantas, os génios dos rochedos
Nos cabelos do Vento, as tranças de arvoredos.
Desordenai-me, luz! Que nada mais dependa
Das águas, das marés, dos signos e do Amor.
É preciso calar o arco e a corrente
E ser nesta varanda um pouco só de cor.

Natércia Freire



sexta-feira, junho 18, 2004

And a neglected Looking-Glass



And the Child cared nothing about the Looking-Glass

quinta-feira, junho 17, 2004

hoje lembrei-me deste filme, lembram-se dele?





Broken Bicycles

Broken bicycles, old busted chains
With rusted handle bars, out in the rain
Somebody must have an orphanage for
All these things that nobody wants any more
September's reminding July
It's time to be saying goodbye
Summer is gone, but our love will remain
Like old broken bicycles out in the rain

Broken bicycles, don't tell my folks
There’s all those playing cards pinned to the spokes
Laid down like skeletons out on the lawn
The wheels won't turn when the other has gone
The seasons can turn on a dime
Somehow I forget every time
For all the things that you've given me will always stay
Broken, but I'll never throw them away

Tom Waits



quarta-feira, junho 16, 2004

Happy Bloomsday!
quando será que ganho coragem para tentar ler o Ulisses? Pode ser que este seja o meu ano Bloom


segunda-feira, junho 14, 2004

Em jeito de prenda para a minha barbilinda, Parabéns menina

Aurélia de Sousa na varanda sobre o Douro

É como quem se olhasse
num auto-retrato antigo e fluente
Ela sabe, como eu, da abatida constelação da casa
mas enfrenta-me, acabou de nascer
e abre imensamente os olhos
A névoa abraça-nos até ao osso
respira no ferro e no granito sob todas as mãos
Estranham-me a paixão dos retratos impassíveis
não sabem como visto
numa sombra perfeitamente de mim
a cidade que parti e não conheço
e nem sequer posso esquecer
Gestos soltos noutra varanda, ao fim da mesma tarde
entre escadas e o cais e o ar e o mar
Ela sabe, como eu, tudo desta casa
mas não pára de me encarar
tudo, edificação de sombras lentamente sobre sombras
o frágil furacão que vai ficando
Estranham-me a roupa escura e os olhos claros
o camafeu que disfarça os dois seios
sim. eles estão cá, inteiros, e apenas sou
a mulher que passa pelos pátios
Por mim, distraem-me os mínimos trabalhos
certa jardinagem, grades sobre rendas
Algo sopra dos fundos dos quartos
fecha as janelas, murmura versos que não possas viver
Mas ela pinta intensamente e se assim te debruça
atravessa-te toda a água do rio
o espelho inteiro da tua vida

José Manuel Teixeira da Silva




A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela.

Tinha feições de menino inconsolável.
Um menino impúbere
ainda sem amor para ninguém,
gostando apenas de demorar as mãos
ou de roçar lentamente o cabelo pelas faces humanas.

E, como menino que era,
achava um grande mistério no seu próprio nome.


Jorge de Sena


domingo, junho 13, 2004

estou com saudades do ossanha:(

I am depressed, O so depressed.
I go to the porch and extend my fingers
Over the taut skin of night.
The lamps that link are dark, O so dark.
No one will introduce me to the sunlight
Or escort me
To the sparrows' gathering.
Commit flight to memory,
For the bird is mortal.

Forugh Farrokhzad


sábado, junho 12, 2004

Dentro
de mim
há uma planta
que cresce
alegremente
que diz
bom dia
quando nos amamos
ao entardecer
e boa noite
quando florimos
à alvorada
uma árvore
que não está com o tempo
este tempo
a que chamamos
nosso

Pedro Oom


quinta-feira, junho 10, 2004

e este?





quarta-feira, junho 09, 2004

Desde que li este poema, que ele me marcou muito (quase tanto como o seu autor)

Primeiro esqueci o cheiro
E ao acordar já não senti o sabor da sua boca

Depois o corpo tornou-se memória
Em vez de impressão
Esfumado, perdido, inglório

O seu rosto desaparecia
Ficavam quase nem os contornos

E no fim sentia só uma tristeza
De promessa feita e não tornada


Miguel Soares



segunda-feira, junho 07, 2004

Para o João, pensando em Vénus :)

Lá em cima há planícies sem fim
Há estrelas que parecem correr
Há o Sol e o dia a nascer
E nós aqui sem parar numa Terra a girar

Lá em cima há um céu de cetim
Há cometas, há planetas sem fim
Galileu teve um sonho assim
Há uma nave no espaço a subir passo a passo

Lá em cima pode ser o futuro
Alegria, vamos saltar o Mundo
E a rir, unidos num abraço
Vamos contar uma história
Era uma vez o Espaço

Lá em cima já não há sentinelas
Sinfonia toda feita de estrelas
Uma casa sem portas nem janelas
É estenderes o braço e tu estás no Espaço!

Paulo de Carvalho





sábado, junho 05, 2004

Comunicações

O vento tinha-me comido
parte da cara e as mãos.
Chamava-me anjo andrajoso.
Eu esperava.

Alejandra Pizarnik


sexta-feira, junho 04, 2004

E o filme desta semana é fabuloso (começo a sentir-me o Laurodérmio)

quinta-feira, junho 03, 2004

Para os que me mimaram hoje (e sempre)


UM MANTO DE TERNURA

Dizer-te, meu amigo,
que, à uma da manhã
e desta noite,
está lindo o nevoeiro

que um manto de sossego
assim inteiro
eu desejava dar-te
- e ter comigo.

Enviava-te um frasco,
se pudesse,
fechado em carta azul,

ou por fax de sol
(não fora o medo que o sol
o desfizesse)

Assim, mando daqui
esta espessura
de cheiro muito branco
e muito belo:

um manto de ternura
dobado num novelo,
que chegue
até aí.


Ana Luísa Amaral


quarta-feira, junho 02, 2004

Hoje completei 10 anos. Fabriquei um brinquedo com palavras. Minha mãe gostou. É assim:

De noite o silêncio estica os lírios.

Manoel de Barros

Mais um ano e repete-se o post ridículo

PARABÉNS A MIM


terça-feira, junho 01, 2004

Quando anoitece
contorno no meu rosto
o perfil do dia que passou
e tudo o que não sou
me contradiz.

Quando anoitece
atravesso um labirinto
caiado de paixão,
pretexto circular
da minha fé.

Quando anoitece
faço emergir do abismo
um instinto quase secreto
e fujo da noite,
em vertiginosa simetria com o vento,
como se fosse um equívoco
esperar a madrugada
com a mesma lentidão
de um acto íntimo.

Contra um muro branco
esta lonjura gémea do vento.

Uma casa ou um regaço
alternando a desordem
de corpos molhados
numa dicotomia simulada
quando o prazer
é o reflexo nítido
de um coágulo de azul
queimado sobre madrepérolas.

São corais que no fundo da água
não quebram as vagas silvestres.

Nasci agora
enquanto uma andorinha
baloiçava no espelho
atravessado de pólen.

Sou, sílaba por sílaba,
o luto ou a negação
de desumanos deuses.

Quando anoitece ...


Graça Pires