Gajas impopulares
Todos têm a sua vez, agora é a minha. Ou pelo menos era o que nos ensinavam no jardim-escola. Não é realmente verdade. Alguns têm mais vezes que outros, e eu nunca tive uma, nem uma. Eu mal sei dizer eu, ou meu, tenho sido ela, a ela, aquela, há tanto tempo. Nem sequer me foi dado um nome; fui sempre a irmã feia , ponham ênfase no feia. Aquela para quem as outras mães olhavam e depois desviavam o olhar abanando as cabeças suavemente. As suas vozes baixavam ou calavam-se quando eu entrava no quarto, com os meus vestidos bonitos, a minha cara inerte e carrancuda. Elas tentavam pensar em algo para dizer que redimisse a situação - bem, ela é forte - mas sabiam que era inútil. E eu também. Acham que eu não odiava a pena delas, a sua bondade forçada? E saber que, não importava o que eu fizesse, o quão virtuosa eu era, ou trabalhadora, eu nunca seria bonita. Não como ela, aquela a quem bastava estar sentada para ser adorada. E ainda se admiram porque eu espetei alfinetes nos olhos azuis das minhas bonecas e lhes puxei o cabelo até elas ficarem carecas? A vida não é justa, porque é que eu deveria ser? Quanto ao príncipe, acham que eu não o amei? Amei-o mais do que ela; amei-o mais que tudo. O suficiente para cortar o meu pé, o suficiente para matar. Claro que me disfarcei com muitos véus, para tomar o lugar dela no altar. Claro que a empurrei da janela para fora e puxei os lençóis para cima da cara e fingi ser ela. Quem não o faria, se estivesse no meu lugar? Mas todo o meu amor chegou sempre a um mau fim. Sapatos a escaldar, barris cheios de pregos. É assim que se sente, amor não correspondido. Ela também teve um filho. A mim nunca me foi permitido. Tudo o que vocês quiseram, eu também quis.
Margaret Atwood
(tradução minha)
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