Um quarto com janela
De há muito que conheço este abatimento que ofereço à minha sensibilidade e que não desejo substituir por algo mais confortante por me parecer ser a forma ideal da perturbação, prescindo do consolo e olho certas manifestações de prazer como espectros que tentam tomar o lugar do pleno. Durante longo tempo não podia cuidar deste abatimento, sentia o seu poder de exibir a minha negatividade mais perfeita num interior que eu tentava calafetar com gestos tendentes aos lugares comuns da vida. Era quando vivia em dormitórios aquecidos e à noite me submetia às actividades anodinamente partilhadas. Não éramos propensos a qualquer ideal, positivo ou negativo. Sujeitávamos as perturbações a uma análise de sensatez e algum afecto aturdido. Era uma obrigatoriedade esse afecto sem condão, moeda nocturna trocada para nos unir num sono em que os pesadelos eram depois narrados com desenvoltura e morbidez, para que não se atentasse às formas gráceis do mal. Só hoje, com um quarto só para mim, tenho um espaço onde não tenho que me entregar a qualquer actividade lúdica ou laboral antes de dormir, a nenhuma acção que preencha de sentidos valorativos o tempo que resta para a morte. Neste espaço que é meu posso zelar pelo que não tende à significação partilhável, pelo puro negativismo que macera deixando apenas uma sensação de impotência que não me vejo na iminência de superar. Um quarto onde entra a luz e com ela o mundo, único túmulo onde não tenho que enterrar o que já nasce abafado.
Catarina Costa
De há muito que conheço este abatimento que ofereço à minha sensibilidade e que não desejo substituir por algo mais confortante por me parecer ser a forma ideal da perturbação, prescindo do consolo e olho certas manifestações de prazer como espectros que tentam tomar o lugar do pleno. Durante longo tempo não podia cuidar deste abatimento, sentia o seu poder de exibir a minha negatividade mais perfeita num interior que eu tentava calafetar com gestos tendentes aos lugares comuns da vida. Era quando vivia em dormitórios aquecidos e à noite me submetia às actividades anodinamente partilhadas. Não éramos propensos a qualquer ideal, positivo ou negativo. Sujeitávamos as perturbações a uma análise de sensatez e algum afecto aturdido. Era uma obrigatoriedade esse afecto sem condão, moeda nocturna trocada para nos unir num sono em que os pesadelos eram depois narrados com desenvoltura e morbidez, para que não se atentasse às formas gráceis do mal. Só hoje, com um quarto só para mim, tenho um espaço onde não tenho que me entregar a qualquer actividade lúdica ou laboral antes de dormir, a nenhuma acção que preencha de sentidos valorativos o tempo que resta para a morte. Neste espaço que é meu posso zelar pelo que não tende à significação partilhável, pelo puro negativismo que macera deixando apenas uma sensação de impotência que não me vejo na iminência de superar. Um quarto onde entra a luz e com ela o mundo, único túmulo onde não tenho que enterrar o que já nasce abafado.
Catarina Costa
1 Comments:
estou aqui
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