A Lulu andava na rua com os olhos de toda a gente pegados às diversas partes do seu corpo fresquíssimo, tão radiante por isso lhe acontecer, que seria uma pena alguém dizer-lhe qualquer coisa de razoável. Ninguém, de resto, pensava nisso, e até as pessoas de maior moralidade perdoavam a provocação pela beleza do espectáculo que oferecia aquela rapariga tão agradável, toda coberta de olhos.
Ela, quando chegava a casa, despegava-os com imenso cuidado e metia-os numa caixinha de cartão, espetados em alfinetes como se estivesse fazendo uma colecção de borboletas.
Correu tudo bem até ao dia em que a Lulu já não sabia o que fazer àquela porção de olhos que na rua se pegavam aos seu corpo fresquíssimo, e o numero de caixas era tal que resolveu ficar em casa para escolher, com paciência, qual seria afinal, daqueles todos, o predilecto. Não foi um trabalho fácil. Ia destapando as caixinhas de cartão e aconchegando os que estavam mal arrumados enquanto comparava com certo comprazimento, os seus entusiasmos e simpatias, até que viu luzir mais apetecivelmente certo olho preto que devia ter pertencido a sobrancelha daquelas aveludada e tudo.
Ficou um tanto comovida e até se tomou dum tal ou qual constrangimento quando deu conta dessa sensação, mas em breve se refez. Arrancou com muito cuidado o alfinete finíssimo que tinha espetado para o guardar e pô-lo em frente de si, um dia inteiro, a mira-la sozinho, cada vez mais fresca.
(…)
O olho preto luzia de tal maneira que se via mesmo que não cabia em si de contente. Como não coubesse em si mesmo e parecesse estar resolvido a aproveitar aquela ocasião para se pegar ao mesmo tempo , a todas as particularidades daquele corpinho extraordinário, o olho preto rebentou. Fê-lo com tanta violência que encheu de nódoas o vestido claro da Lulu fresquíssima, o que foi uma pena.
António Pedro
Ela, quando chegava a casa, despegava-os com imenso cuidado e metia-os numa caixinha de cartão, espetados em alfinetes como se estivesse fazendo uma colecção de borboletas.
Correu tudo bem até ao dia em que a Lulu já não sabia o que fazer àquela porção de olhos que na rua se pegavam aos seu corpo fresquíssimo, e o numero de caixas era tal que resolveu ficar em casa para escolher, com paciência, qual seria afinal, daqueles todos, o predilecto. Não foi um trabalho fácil. Ia destapando as caixinhas de cartão e aconchegando os que estavam mal arrumados enquanto comparava com certo comprazimento, os seus entusiasmos e simpatias, até que viu luzir mais apetecivelmente certo olho preto que devia ter pertencido a sobrancelha daquelas aveludada e tudo.
Ficou um tanto comovida e até se tomou dum tal ou qual constrangimento quando deu conta dessa sensação, mas em breve se refez. Arrancou com muito cuidado o alfinete finíssimo que tinha espetado para o guardar e pô-lo em frente de si, um dia inteiro, a mira-la sozinho, cada vez mais fresca.
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O olho preto luzia de tal maneira que se via mesmo que não cabia em si de contente. Como não coubesse em si mesmo e parecesse estar resolvido a aproveitar aquela ocasião para se pegar ao mesmo tempo , a todas as particularidades daquele corpinho extraordinário, o olho preto rebentou. Fê-lo com tanta violência que encheu de nódoas o vestido claro da Lulu fresquíssima, o que foi uma pena.
António Pedro
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