mais uma tradução caseira da lebre
Era uma vez, contas, germes com cornos, viviam nos lavabos e só podiam ser derrotados por litros e litros de lixívia. Podias suicidar-te bebendo esta lixívia, e algumas mulheres fizeram-no.
Os jovens olham-te para cima, de olhos arregalados, ou se calhar olham-te para baixo: tornaram-se muito altos. Quão jovens são os jovens, nos dias de hoje? Varia. Alguns são bastante velhos. Mas ainda são muito crédulos. Porque tu estiveste lá, nesse tempo do era uma vez, e eles não.
E não apenas isso - estás a gostar disto - não havia diafragmas nus, e apenas os marinheiros e os presos tinham tatuagens. Não havia telefones, não havia vacinação, por isso não se podia chamar o médico quando se estava a morrer, de glândulas a rebentar, ou inchaços intestinais estagnados, de teias dentro da garganta, de febre cerebral, se fizesses sexo desprotegido o teu nariz caía muito mais depressa do que cai agora.
Os jovens ainda te estão a ouvir. Acreditam em ti? Será que foste sensacionalista o suficiente para eles? Esperas bem que sim.
Se fosses uma mulher casada, tudo acabava aos trinta, dizes, estavas condenada a vestir um vestido estampado e uma cinta de borracha e a sentar-te numa cadeira de baloiço no alpendre - nessa altura havia alpendres - a abanar-te com um leque, porque não havia ar condicionado, e falar sobre os teus pés chatos, a tua ciática, as tuas veias varicosas, e o ressonar do teu marido, cujas camisas tinhas que passar, todas as terças - montanhas de camisas – tudo isto metáforas para sexo medíocre.
Neste ponto há risinhos abafados. Mas tu não queres que o passado não seja tomado a sério. Custou muito. Merece respeito. Por isso, agora é a altura da artilharia pesada.
Deixem-me falar-vos de rolo de carne, dizes, baixando a voz, enquanto as caras, já pálidas, à tua volta empalidecem mais. Sim – rolo de carne, e enemas, e seringas bolbudas usadas para o que eles chamavam de “higiene feminina” - os três não estão isolados, dizes, num murmúrio emocionado.
Por esta altura os jovens fitam-te com horror fascinado, como se estivesses pronta a sacar uma das tuas pernas, revelando um coto amputado, verde e musguento. Histórias de guerra, é isso que eles querem - histórias de guerra, e menus nojentos. Querem sofrimento, querem cicatrizes. Deves falar-lhes do estufado?
Mas isso se calhar é demais. De qualquer maneira, já te excitaste o suficiente por uma noite.
Margaret Atwood
Era uma vez, contas, germes com cornos, viviam nos lavabos e só podiam ser derrotados por litros e litros de lixívia. Podias suicidar-te bebendo esta lixívia, e algumas mulheres fizeram-no.
Os jovens olham-te para cima, de olhos arregalados, ou se calhar olham-te para baixo: tornaram-se muito altos. Quão jovens são os jovens, nos dias de hoje? Varia. Alguns são bastante velhos. Mas ainda são muito crédulos. Porque tu estiveste lá, nesse tempo do era uma vez, e eles não.
E não apenas isso - estás a gostar disto - não havia diafragmas nus, e apenas os marinheiros e os presos tinham tatuagens. Não havia telefones, não havia vacinação, por isso não se podia chamar o médico quando se estava a morrer, de glândulas a rebentar, ou inchaços intestinais estagnados, de teias dentro da garganta, de febre cerebral, se fizesses sexo desprotegido o teu nariz caía muito mais depressa do que cai agora.
Os jovens ainda te estão a ouvir. Acreditam em ti? Será que foste sensacionalista o suficiente para eles? Esperas bem que sim.
Se fosses uma mulher casada, tudo acabava aos trinta, dizes, estavas condenada a vestir um vestido estampado e uma cinta de borracha e a sentar-te numa cadeira de baloiço no alpendre - nessa altura havia alpendres - a abanar-te com um leque, porque não havia ar condicionado, e falar sobre os teus pés chatos, a tua ciática, as tuas veias varicosas, e o ressonar do teu marido, cujas camisas tinhas que passar, todas as terças - montanhas de camisas – tudo isto metáforas para sexo medíocre.
Neste ponto há risinhos abafados. Mas tu não queres que o passado não seja tomado a sério. Custou muito. Merece respeito. Por isso, agora é a altura da artilharia pesada.
Deixem-me falar-vos de rolo de carne, dizes, baixando a voz, enquanto as caras, já pálidas, à tua volta empalidecem mais. Sim – rolo de carne, e enemas, e seringas bolbudas usadas para o que eles chamavam de “higiene feminina” - os três não estão isolados, dizes, num murmúrio emocionado.
Por esta altura os jovens fitam-te com horror fascinado, como se estivesses pronta a sacar uma das tuas pernas, revelando um coto amputado, verde e musguento. Histórias de guerra, é isso que eles querem - histórias de guerra, e menus nojentos. Querem sofrimento, querem cicatrizes. Deves falar-lhes do estufado?
Mas isso se calhar é demais. De qualquer maneira, já te excitaste o suficiente por uma noite.
Margaret Atwood
4 Comments:
muito bom!
gosto mesmo desta Margaret
(se o texto precisasse de uma foto, seria esta mesmo! - potencia o texto)
muito bonito este texto...!!
este mês vai sair um livro desta senhora pela editora Teorema "A Odisseia de Penélope"
:)
Nunca li nenhum livro de M. Atwood. A avaliar pelo texto que aqui encontrei é uma falha que tenho de resolver em breve :)
eu sou devota da margaret atwood, este texto é tirado do ultimo livro dela "the tent"
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