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sexta-feira, setembro 29, 2006

Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.


Amalia Bautista


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quinta-feira, setembro 28, 2006

Parabéns
aos meus pais pelos 38 anos de casados
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Processo Poético

Quando pensei em
substituir tu por ele
denunciei-te ao papel

Quando disse tu
porque ele soava pior
tornei-te invisível

Quando escrevi aquele
nem tu nem ele se aperceberam
do que realmente estava a acontecer.


Ulla Hahn


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quarta-feira, setembro 27, 2006

eu já vos disse que esta gaija escreve muuuuiiiiiiiiito, muuuuiiiiiito bem? Se não disse, digo agora

o blog da maggie é muitoooooooooooooooooo bom


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olha, cruzo os dedos como resto de um gesto
para marcar território sento-me no quarto
guardo as ilusões nos bolsos

recomeço onde outras bocas já colaram
legendas à cama vazia
(não te percas a revisitar o sono)
o musgo invade o quarto
sobram silêncios a espalhar vozes

na rua traseira há árvores e gestos lentos
em ecos feitos de pausas
metade de mim procura as palavras certas

para mover a voz uso espelhos
sem saber para que lado olhar
(parábola de movimento e respiração)


Maria Sousa


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sexta-feira, setembro 22, 2006

doem-me os vazios nas palmas das mãos

o toque das palavras usadas
só no silêncio das papoilas se ouve

como descrever o perfil do vermelho com o olhar vazio


Maria Sousa


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quarta-feira, setembro 20, 2006

Para um teatrinho de armar

A cadeira de balanço

Menino (12 anos) Vou sentar-me na cadeira de balanço.
Menina (mesma idade) E se o teu avô aparece?
Menino Saio da cadeira de balanço!
Menina Mas tu gostas assim tanto da cadeira?
Menino É bom. Dá me vontade de fechar os olhos e dormir
Menina Nós somos miúdos. Não precisamos de dormir sentados, como as pessoas grandes.
Menino Se eu ainda faço vaivém, à noite, na minha cama, porque não hei-de fazer balanço, de dia, nesta cadeira?
Menina Bem… Isso é contigo!

(O Menino senta-se na cadeira de balanço. Adormece. A Menina, ao lado Observa-o. A Menina e o Menino transformam-se no Velho e na Velha. Continuam na mesma situação e no mesmo decor da acção anterior)

Velho (acorda e olha em volta) Que horas são ?
Velha As que tu quiseres. Escolhe uma hora qualquer. Tens fome?
Velho Tenho
Velha Então é hora de comer.
Velho Quero chocolate e fatias de pão com manteiga.
Com manteiga não…. Com margarina!
Velha Margarina, sim. Chocolate, não! Bem sabes que o teu fígado não anda bom!
Velho Há sessenta anos que não dizes outra coisa…
Velha Quanto é sessenta anos?
Velho É as cinco meninas que há em ti. Quando te conheci tinhas doze anos. Cinco vezes doze, sessenta!
Velha Brincávamos aos solteiros e casados, lembras-te?
Velho Não. Aos policias e ladroes. E agora estamos a brincar aos velhos!
Velha Nunca vi um velho pedir chocolate e pão com manteiga!
Velho Com margarina, com margarina!

(o Velho e a Velha transformam-se no menino e na menina do começo da acção, sempre na situação e no mesmo decor)

Menino (acordando) Que horas são?
Menina São horas de lanchar. Queres café com leite e pão com margarina?
Menino (levantando-se bruscamente da cadeira, que fica a balançar) Não gosto de cadeiras de balanço! Não me deixes mais dormir em cadeiras de balanço, ouviste?
Menina (rindo) Pois sim….


Alexandre O' Neill


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terça-feira, setembro 19, 2006

Esta manhã comecei a esquecer-me de ti.
Acordei mais cedo que nos outros dias
e com o mesmo sono.
A tua boca dizia-me "bom dia" mas não:
não o teu corpo todo como nos outros dias.
As sombras por aqui são lentas e hoje não
comprei o jornal: o mundo que se ocupe da
sua própria melancolia.
ontem. há uma semana. há muitos meses.
um ano ensina ao coração o novo ofício:
a vida toda eu hei-de esquecer-me de ti.


Rui Costa


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segunda-feira, setembro 18, 2006

Nature Boy

There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he

And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"


Eden Ahbez




domingo, setembro 17, 2006

Não sei o que te diga.(...)

Já nao sei inventar os Domingos.
Pode-se inventar tudo menos os Domingos.


Rosa Alice Branco


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sexta-feira, setembro 15, 2006

como pretexto para amputar sonos
que venha o Outono!

encerramos a casa, é domingo, e ficamos
a ouvir os cães a ladrar ao longe

próximo do amanhecer
chama-se nuvem a uma metáfora
onde os pássaros vigiam os intervalos das arvores

será o Verão a epígrafe de dias esquecidos?


Maria Sousa


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quinta-feira, setembro 14, 2006

O armário onde guardo os botões cor-de-rosa
fica neste lado da casa, coloquei-os
dentro de um boião azul e sempre que os vou procurar
encontro coisas de outra cor, quer dizer,
encontro botões com outras tonalidades
que nada têm a ver com o azul ou com a cor
rosa, mas antes com a cor que tem um prado
meia hora antes de amanhecer, ou com um rio
que se esqueceu de adormecer depois da hora combinada,
exactamente dois minutos antes da meia-noite.
Por esta razão a minha mãe desistiu de me ensinar os tons
do arco-íris e diz que sempre que eu quiser aprender as cores
devo ir procurar no relógio de pulso do meu pai
que, como toda a gente sabe,
nunca se atrasa nem nunca se adianta.


Amadeu Baptista


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quarta-feira, setembro 13, 2006

Ontem à noite, depois da sua partida definitiva,
fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque,
fui para ali onde fico sempre no mês de junho,
esse mês que inaugura o Inverno.

Tinha varrido a casa,
tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral.

Estava tudo depurado de vida,
isento,
vazio de sinais, e depois disse para comigo:
vou começar a escrever
para me curar da mentira de um amor que acaba.

Tinha lavado as minhas coisas,
quatro coisas,
estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa,
e também aquilo que encerrava o todo,
o corpo e a roupa,
estes quartos,
esta casa,
este parque.


E depois comecei a escrever...



Marguerite Duras

terça-feira, setembro 12, 2006

Ref:007 (sem assunto)

Ouve-me!

O importante, aqui
não são as palavras

mas
o que não te quero
dizer.

RE: (conteúdo, o vazio)
FWD:Enchi alguém
de nadas


Carlos Veríssimo


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segunda-feira, setembro 11, 2006

O que é que leva o meu barco
para esta praia
onde um poder esquivo
se contenta
com a ambígua oferta de palavras?

Estamos aqui
no exíguo barco de desejos
exibidos
na frágil singularidade do verbo

Insatisfeitos sempre
aguardamos
que se abram
as impensáveis portas da ilusão.


Ana Hatherly


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domingo, setembro 10, 2006

da noite dizes que a respiração é hábito

uma ruga a imitar a sombra nasce da cor
que se define em ausências

apago o tempo na cama por fazer
soletro-te a riscar manhãs da noite

há que respirar com as janelas abertas de par em par
(cheiram ao verde escuro das arvores)


Maria Sousa


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sexta-feira, setembro 08, 2006

Sobe,sobe,balao sobeeeeeeeee
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quinta-feira, setembro 07, 2006

DISCO NOVO DO TIO TOM JÁ EM NOVEMBRO !!!
Como é que eu só soube disto hoje??? Porque é que ninguém me avisa destas coisas???
(é favor ler esta parte do post em modo voz de lebre stressada)


“Orphans are rough and tender tunes. Rhumbas about mermaids, shuffles about trainwrecks, tarantellas about insects, madrigrals about drowning,” says Waits. “Scared, mean, orphans songs of rapture and melancholy. Songs that grew up hard. Songs of dubious origin rescued from cruel fate and now left wanting only to be cared for. Show that you are not afraid and take them home. They don’t bite, they just need attention.”

O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.


Fiama Hasse Pais Brandão


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quarta-feira, setembro 06, 2006

The Ditty Bops- Wishful Thinking

terça-feira, setembro 05, 2006

Quando Ivan e eu nos calamos, não tendo nada a dizer-nos, o mesmo silêncio não sucede à nossa volta; é quando me apercebo, pelo contrário, de que em redor de nós há mil coisas que vivem e se manifestam sem ser inoportunas, a cidade inteira respira e circula.


Ingeborg Bachmann



CARTA A FÁTIMA

Lembras-te Fátima? era o que eu sempre te dizia, não somos nada nas mãos do acaso, e não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim? se nem tu já te lembras de mim agora, tu, a quem tanto amei, não te lembras, e foi há tão pouco, foi ontem, parece, que te levantaste e disseste: «Ficamos amigos como dantes»... E dizias: como dantes e era já noutro que pensavas, olhavas-me e nos teus olhos ria-se a traição, o prazer da liberdade, um desafio alegre, uma alegria provocante e desapiedada, ias a meu lado pela última vez e eu era já um estranho para ti, um fantasma a quem se concede, por caridade, uns momentos mais de companhia, algumas palavras vagas distraídas, um pouco de estima, talvez. Reparei: o teu corpo, oh corpo do meu prazer! oh carne virgem sangrando debaixo de mim! oh meu repouso e minha febre! o teu corpo outrora tão cativo e tão submisso, ficara de repente cerimonioso e esquivo, cauteloso, afastado, com um pudor forçado no puxares a saia sobre os joelhos, como se tivesse uma grande vergonha do despudor com que se dera antes...


Dizias: como dantes e não era já nisso que pensavas, e não era já para mim que falavas, eu era uma coisa para esquecer, para deitar fora, uma coisa que se abandona caída no chão e se perde sem pena. Dizias: «adeus» e saías da minha vida com um aperto de mão desembaraçado, quase cordial um gesto de boa camarada, como se nada tivesse havido antes, como se não tivéssemos sido tantas vezes na cama, um dentro do outro, um no outro, um-outro diferente, uma coisa sublime: Deus Criador, como os míseros humanos só ali o podem sentir e saber; um Outro que éramos nós ainda, mas tão transtornados, tão virados para fora de nós, tão esquecidos do mundo e de nós, tão eficazes, tão leais, nós boca com boca, corpo a corpo, um sexo torturando um sexo, mordendo-se devorando-se, numa febre de chegar ao fim depressa, ao esquecimento, ao repouso. Disseste: adeus e eu odiei-te logo nesse minuto, como te odeio agora, não por ti ou pelo teu corpo que já me esqueceu noutros que vieram depois, mas porque morri ali naquela palavra, -morri entendes? -, perdi-me numa grande confusão, esqueci-me de ser eu, fiquei roubado do meu passado.


Hoje, encontrarias um outro homem; havia de rir-me do teu corpo, da sua entrega ou das suas traições, de tu me dizeres: «Vem» ou «Adeus...», ou «Não quero...». Hoje, saberias quem fizeste com uma só palavra, conhecerias um outro homem, que é obra tua, minha segunda mãe! Hoje, havia de rir ou chorar, era a máscara do momento; mas diria: tanto faz..., tanto me faz... Sabia-o!


Luiz Pacheco


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segunda-feira, setembro 04, 2006

We knew the girls were really women in disguise, that they understood love, and even death, and that our job was merely to create the noise that seemed to fascinate them.
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Mais - Menos

Quero dizer mais
e digo: mais

Mas cada vez
digo menos
o mais que sei
e sinto


Ana Hatherly


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domingo, setembro 03, 2006

Que construção é mais sólida, se aguentou
mais tempo. E quantos mais aí moram, menos se
a consegue abandonar. Para onde. Anseia-se
por uma casa de Verão sem um fogão e sem
história. Estou aqui porque estou aqui.

Esta noite estive acordada, fazia vento, chuvas
fustigavam o castanheiro, enquanto já vinha o dia,
a noite não tinha trazido paz. Eu sabia
como eram as coisas, fui dormir e acordei
numa manhã de silêncio, lívida de tristeza.

Não se pode continuar com lamúrias. As ameixas
baqueiam podres das árvores, no frio
quintal as cores envelhecem velozes. Experimentar
tudo sem anestesia, pôr a postos as panelas e
o açúcar, gerir os arquivos, guardar os cacos.


Anna Enquist


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sábado, setembro 02, 2006

É isto. Ouve com atenção. Meditei sobre o amor, e esclareci tudo. Vi claramente o que está errado. Os homens apaixonam-se pela primeira vez. E por quem se apaixonam eles?
A boca macia do garoto estava entreaberta; e o rapaz não respondeu.
- Por uma mulher -- disse o velho. -- Sem ciência, sem nada que os sustente, entregam-se à experiência mais perigosa e sagrada desta terra de Deus. Apaixonam-se por uma mulher. Não é isto verdade, meu filho?
- É... -- respondeu murmuradamente o rapaz.
- Começam pelo lado errado do amor. Começam pelo mais alto. É para admirar a tão grande miséria resultante? Sabes como os homens deveriam amar?
O velho estendeu a mão e agarrou o rapaz pela gola da blusa de couro. Sacudiu-o suavemente, e os olhos verdes olhavam sem pestanejar, graves.
- Meu filho, sabes como o amor devia começar?
O rapaz sentia-se pequeno no banco, todo ouvidos, imóvel. E, devagar, abanou a cabeça. O velho chegou-se mais e segredou:

- Uma árvore. Um rochedo. Uma nuvem.


Carson McCullers


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sexta-feira, setembro 01, 2006

Entre o perto e o longe
desenham-se dúvidas
que traçam a frio o espaço

da casa ficam os cheiros perdidos

ontem à tarde tu parado
atravessavas as ruas com o olhar

entre casas e janelas que se abrem
somos as coisas todas que se poderiam ouvir

se estivéssemos perto

chega-te mais
não te sinto


Maria Sousa


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