Sótão
Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.
Fiama Hasse Pais Brandão
Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.
Fiama Hasse Pais Brandão
4 Comments:
Belíssimo!
Distraí-me um bocado e zás. Ena, que lindo penteado novo :D:D:D
Muito catita, lebre.
Em casa da minha avó paterna
chamava-se terceiro à espécie
de arrecadação de dois andares
que ficava ao fundo de um corredor.
Era para onde fugíamos sempre
que encontrávamos a porta
aberta - a aventura valia bem
a reprimenda. O terceiro
era arriscado e umbroso, as telhas
coavam o ar da tarde onde dançava
uma poeira lenta e muito antiga.
Grandes aranhas verdes e nervosas
pareciam vigiar o que restara
da infância do meu pai
e seus irmãos: cromos das Raças
Humanas, revistas com desenhos
humorísticos onde homens e mulheres
usavam sempre chapéu. um mundo
desaparecido, morto havia décadas -
como se a casa, na sua difícil progressão
para o furuto, se tivesse esquecido
do terceiro no passado. Bem vistas
as coisas, porém, a verdade era outra:
o terceiro adiantara-se, tinha chegado
mais cedo ao destino que aguardava
tudo o resto. A avó, a casa inteira -
e a parte de mim que lhes pertencia.
Esta relação de ausências é contrária
ao emprego das palavras. E é por isso
que eu não sei acabar este poema.
(O terceiro, Rui Pires Cabral)
que poema fantástico.
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