domingo, janeiro 22, 2017
terça-feira, janeiro 10, 2017
considerações
1
Só poetas muito pobres
falarão da riqueza destas casas.
As casas que limpo habitam o nadir
da hierarquia poética das casas
Mas com elas se paga o preço da arte.
Imprestável e luxuosa, dizem
Vital, penso, enquanto limpo casas.
2
São-me muito próximas, estas casas vazias
Não há comunhão com uma casa até assoar cotão
Sentindo a casa sair de mim
Quando me mudei para a minha casa
Também a limpei dos pés ao teto
E por isso me foi habitando nariz e poros.
No fim do dia enquanto a casa escorria
pelo branco da banheira, pensei:
o habitante é o meio pelo qual uma casa regressa a si.
3
Se passares um dia a limpar uma casa
Ficarás muito limpo por dentro e
Muito sujo por fora.
4
Teorema:
Quanto mais suja está uma casa, mais limpa está a sua esfregona
5
Não é vergonha que o poeta tenha que limpar casas.
Vergonha seria não escrever sobre elas.
6
Há casas tão sujas que pedem black metal por banda sonora
7
Estas casas nunca se ocupam por muito tempo.
São prostitutas, não são casas para casar.
Entre um e outro ocupante
tenho que apagar as marcas dos corpos
Descobri uma esponja mágica
Que limpa dedadas da parede.
Custa o preço de duas cervejas
A terceira bebo-a ao fim do dia
8
Limpar-me com cerveja.
9
Por vezes os lençóis são abandonados
ainda deitados nas camas.
São um arrepio estes lençóis.
Sair para comprar tabaco e não voltar.
10
Uma casa não pode ser só bela
Tem que ter qualquer coisa de triste,
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Teria escrito Vinicius de Moraes
Se fosse um poeta tão pobre quanto eu.
11
Trapos são os velhos.
As minhas t -shirts mais amadas terminam a vida
a esfregar paredes.
12
Abandonam-se nas casas coisas sem préstimo
Móveis que não valem o seu peso às costas,
Canetas de apelo politico que nunca escreveram senão listas de compras
(o poeta usará estas canetas para escrever sobre casas)
13
Por vezes, nestas casas, também encontro fotografia.
Evidência:
Algumas fotografias pesam tanto nas costas como móveis.
14
Com uma casa,
pago a água ou a luz
da minha casa.
15
Nalgumas casas cortaram água e luz.
há que trocar horas de sol por horas na casa
há que levar a água nas mãos
(neste caso o poeta é também aguadeiro,
Direi rio, escada acima, rio Nilo)
16
Por não ter medo de mexer nas zonas que outros evitam
O poeta é campeão a lavar sanitas.
17
Limpar casas é o preço de coisas muito caras,
como a arte.
Ana Tecedeiro
1
Só poetas muito pobres
falarão da riqueza destas casas.
As casas que limpo habitam o nadir
da hierarquia poética das casas
Mas com elas se paga o preço da arte.
Imprestável e luxuosa, dizem
Vital, penso, enquanto limpo casas.
2
São-me muito próximas, estas casas vazias
Não há comunhão com uma casa até assoar cotão
Sentindo a casa sair de mim
Quando me mudei para a minha casa
Também a limpei dos pés ao teto
E por isso me foi habitando nariz e poros.
No fim do dia enquanto a casa escorria
pelo branco da banheira, pensei:
o habitante é o meio pelo qual uma casa regressa a si.
3
Se passares um dia a limpar uma casa
Ficarás muito limpo por dentro e
Muito sujo por fora.
4
Teorema:
Quanto mais suja está uma casa, mais limpa está a sua esfregona
5
Não é vergonha que o poeta tenha que limpar casas.
Vergonha seria não escrever sobre elas.
6
Há casas tão sujas que pedem black metal por banda sonora
7
Estas casas nunca se ocupam por muito tempo.
São prostitutas, não são casas para casar.
Entre um e outro ocupante
tenho que apagar as marcas dos corpos
Descobri uma esponja mágica
Que limpa dedadas da parede.
Custa o preço de duas cervejas
A terceira bebo-a ao fim do dia
8
Limpar-me com cerveja.
9
Por vezes os lençóis são abandonados
ainda deitados nas camas.
São um arrepio estes lençóis.
Sair para comprar tabaco e não voltar.
10
Uma casa não pode ser só bela
Tem que ter qualquer coisa de triste,
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Teria escrito Vinicius de Moraes
Se fosse um poeta tão pobre quanto eu.
11
Trapos são os velhos.
As minhas t -shirts mais amadas terminam a vida
a esfregar paredes.
12
Abandonam-se nas casas coisas sem préstimo
Móveis que não valem o seu peso às costas,
Canetas de apelo politico que nunca escreveram senão listas de compras
(o poeta usará estas canetas para escrever sobre casas)
13
Por vezes, nestas casas, também encontro fotografia.
Evidência:
Algumas fotografias pesam tanto nas costas como móveis.
14
Com uma casa,
pago a água ou a luz
da minha casa.
15
Nalgumas casas cortaram água e luz.
há que trocar horas de sol por horas na casa
há que levar a água nas mãos
(neste caso o poeta é também aguadeiro,
Direi rio, escada acima, rio Nilo)
16
Por não ter medo de mexer nas zonas que outros evitam
O poeta é campeão a lavar sanitas.
17
Limpar casas é o preço de coisas muito caras,
como a arte.
Ana Tecedeiro
A Sombra
Trago comigo mais noite
que a minha própria sombra.
Ela que insiste sempre em ficar
mais rente: ao chão, às quatro
paredes, aos objectos dispostos
que tentam com a sua ocupação
fazer uma leitura dos dias,
ocupar um pouco mais de mim,
tentar o seu regresso para mim,
que apenas ensaio o escuro
nestes dias.
Rui Miguel Ribeiro
Trago comigo mais noite
que a minha própria sombra.
Ela que insiste sempre em ficar
mais rente: ao chão, às quatro
paredes, aos objectos dispostos
que tentam com a sua ocupação
fazer uma leitura dos dias,
ocupar um pouco mais de mim,
tentar o seu regresso para mim,
que apenas ensaio o escuro
nestes dias.
Rui Miguel Ribeiro
quinta-feira, janeiro 05, 2017
CONTRA-CASA
É justamente a casa que me derruba. Não saber dela nem onde procurar. Nem ter pés, nem mãos, nem coração, nem dentes já para a encontrar.
Desistir dela.
Não me poder acamar.
O quarto.
A cama.
Os meus livros separados de mim e todas as tragédias que trago comigo.
Descansar em bolor. Tossir à noite.
A cama não tem tecto. Canto-me para embalar enquanto o vento. Enquanto o mistério.
Tudo ocupado.
Tudo fora.
Não sair pela janelíssima é regra imposta pela constituição da casa. De mim para o horror disto. Para os outros. Eu e a tentativa.
A casa derruba em qualquer que seja a instância.
Estilhaços.
Casa é o que resta.
O que acaba por acontecer.
Patrícia Baltazar
É justamente a casa que me derruba. Não saber dela nem onde procurar. Nem ter pés, nem mãos, nem coração, nem dentes já para a encontrar.
Desistir dela.
Não me poder acamar.
O quarto.
A cama.
Os meus livros separados de mim e todas as tragédias que trago comigo.
Descansar em bolor. Tossir à noite.
A cama não tem tecto. Canto-me para embalar enquanto o vento. Enquanto o mistério.
Tudo ocupado.
Tudo fora.
Não sair pela janelíssima é regra imposta pela constituição da casa. De mim para o horror disto. Para os outros. Eu e a tentativa.
A casa derruba em qualquer que seja a instância.
Estilhaços.
Casa é o que resta.
O que acaba por acontecer.
Patrícia Baltazar