quarta-feira, outubro 26, 2016
sexta-feira, outubro 21, 2016
Arrasto uma cadeira para mim
e outra para os meus problemas
neste café onde os velhos mastigam
o declínio do país, mortes e futebol
e histórias de médicos que se esquecem
de luvas, tesouras e relógios
nas entranhas dos doentes.
Pergunto-me se esta azia, se os blues diários,
a arritmia e o sangue gordo
são o resultado da tua última operação;
se entre tantas cirurgias de peito aberto,
terás deixado para trás um corpo estranho
debaixo da ponte que carrego
entre o coração e o ventre.
(Se me abrisses, verias que sou tão oca
como as bonecas russas.)
Quero dizer aos velhos que também eu
sou um milagre da medicina,
que aguento dia após dia
estas pequenas negligências domésticas
de cortar a bisturi entradas na derme
e espalhar aqui e ali
pequenas sementes inférteis.
Ana Bessa Carvalho
e outra para os meus problemas
neste café onde os velhos mastigam
o declínio do país, mortes e futebol
e histórias de médicos que se esquecem
de luvas, tesouras e relógios
nas entranhas dos doentes.
Pergunto-me se esta azia, se os blues diários,
a arritmia e o sangue gordo
são o resultado da tua última operação;
se entre tantas cirurgias de peito aberto,
terás deixado para trás um corpo estranho
debaixo da ponte que carrego
entre o coração e o ventre.
(Se me abrisses, verias que sou tão oca
como as bonecas russas.)
Quero dizer aos velhos que também eu
sou um milagre da medicina,
que aguento dia após dia
estas pequenas negligências domésticas
de cortar a bisturi entradas na derme
e espalhar aqui e ali
pequenas sementes inférteis.
Ana Bessa Carvalho
sábado, outubro 15, 2016
sexta-feira, outubro 14, 2016
quarta-feira, outubro 12, 2016
THE STRANGER SONG
Ele quis dizer-te agarra
a noite e não pudeste
contentá-lo. Agora
é tarde. Cai uma nódoa
na parede, na camisa
do poema. És acossado
pelo fim que consentiste
e pela sombra da razão
que não tiveste. Olhas
em volta
e só não vês o que aí está
se não quiseres perder de vez
a ilusão de uma saída.
Nos arredores, a luz
é torpe, o verso
inquina. Não há
comboio a estas horas
que te leve ao outro lado
onde te espera, por engano,
a tua vida.
Rui Pires Cabral
Ele quis dizer-te agarra
a noite e não pudeste
contentá-lo. Agora
é tarde. Cai uma nódoa
na parede, na camisa
do poema. És acossado
pelo fim que consentiste
e pela sombra da razão
que não tiveste. Olhas
em volta
e só não vês o que aí está
se não quiseres perder de vez
a ilusão de uma saída.
Nos arredores, a luz
é torpe, o verso
inquina. Não há
comboio a estas horas
que te leve ao outro lado
onde te espera, por engano,
a tua vida.
Rui Pires Cabral