sábado, julho 30, 2016
quarta-feira, julho 27, 2016
Cover
Nesta casa envelheceremos. E veremos as nossas sombras chegar a um apeadeiro, esse onde habitam os vizinhos. Casais que chegaram a este bloco já há vinte anos com os filhos da idade dos nossos, tu e eu éramos então uns desconhecidos. Amávamo-nos e depois voltávamos ao fogo materno, brasas que hoje esperam a nossa chamada.
Nesta casa envelheceremos. Digo-to eu, quando ainda não sofremos o sinal do desencanto. Sobrevivemos, já ganhámos alguns pulsos à morte. E agora abraçamo-nos inseguros mas ainda esfomeados. As paredes ainda respiram um ar provisório. Ainda há espaços possíveis, espelhos escondidos, regiões desconhecidas. Na casa, no armário, no teu corpo. A vida ainda não é ainda algo irreversível.
Nesta casa envelheceremos. E os veremos sair altos e redondos para as cerimónias. E os veremos chegar derrotados e lhes diremos que nada é para sempre. E a sua alegria será a nossa, multiplicada. E também a dor. Não sei se então seremos felizes. Não sei se existe ser feliz , desconheço essa fórmula matemática. Mas sei que vou querer voltar a esta casa quando aumentar a tempestade. Sei que aqui, ao abrigo desta casa, estarei a salvo. Junto a ti, salvo.
Pablo García Casado
FARÓIS ACESOS À PROCURA DO OCEANO
de Pablo García Casado
tradução Maria Sousa
Editora Do Lado Esquerdo
Nesta casa envelheceremos. E veremos as nossas sombras chegar a um apeadeiro, esse onde habitam os vizinhos. Casais que chegaram a este bloco já há vinte anos com os filhos da idade dos nossos, tu e eu éramos então uns desconhecidos. Amávamo-nos e depois voltávamos ao fogo materno, brasas que hoje esperam a nossa chamada.
Nesta casa envelheceremos. Digo-to eu, quando ainda não sofremos o sinal do desencanto. Sobrevivemos, já ganhámos alguns pulsos à morte. E agora abraçamo-nos inseguros mas ainda esfomeados. As paredes ainda respiram um ar provisório. Ainda há espaços possíveis, espelhos escondidos, regiões desconhecidas. Na casa, no armário, no teu corpo. A vida ainda não é ainda algo irreversível.
Nesta casa envelheceremos. E os veremos sair altos e redondos para as cerimónias. E os veremos chegar derrotados e lhes diremos que nada é para sempre. E a sua alegria será a nossa, multiplicada. E também a dor. Não sei se então seremos felizes. Não sei se existe ser feliz , desconheço essa fórmula matemática. Mas sei que vou querer voltar a esta casa quando aumentar a tempestade. Sei que aqui, ao abrigo desta casa, estarei a salvo. Junto a ti, salvo.
Pablo García Casado
FARÓIS ACESOS À PROCURA DO OCEANO
de Pablo García Casado
tradução Maria Sousa
Editora Do Lado Esquerdo
quinta-feira, julho 21, 2016
quarta-feira, julho 20, 2016
RESTAURAÇÃO
Risquei o último fósforo
e estou agora vazia,
não esperando sequer
o deserto. Posso de novo
sublinhar os livros
sem pensar noutros olhos,
numa vontade que não coincida;
como quem se despe
de portas abertas, luzes acesas,
buracos na roupa,
indiferente ao desejo
de vizinhos e espelhos.
Sou finalmente o único fantasma
da minha vida inteira.
Inês Dias
Risquei o último fósforo
e estou agora vazia,
não esperando sequer
o deserto. Posso de novo
sublinhar os livros
sem pensar noutros olhos,
numa vontade que não coincida;
como quem se despe
de portas abertas, luzes acesas,
buracos na roupa,
indiferente ao desejo
de vizinhos e espelhos.
Sou finalmente o único fantasma
da minha vida inteira.
Inês Dias
domingo, julho 17, 2016
quinta-feira, julho 14, 2016
terça-feira, julho 12, 2016
sábado, julho 09, 2016
quinta-feira, julho 07, 2016
capuchinho vermelho
diz uma história muito antiga que a juventude
é um tempo de macieiras e trincada a maçã
na história ao lado despertei desse primeiro sono
onde os atalhos não se sonham de tão mal
iluminados. todos os perigos que se espreitam
estão próximos todos os passos seguros
são lugares mortos e eu segui as sombras vivas
eu quis o caminho que me devorou rendido
na sua acesa fome abraçando o bosque sabendo
que a maior cegueira é a da maior claridade.
Pedro Jordão
in "Persona"
Do Lado Esquerdo
diz uma história muito antiga que a juventude
é um tempo de macieiras e trincada a maçã
na história ao lado despertei desse primeiro sono
onde os atalhos não se sonham de tão mal
iluminados. todos os perigos que se espreitam
estão próximos todos os passos seguros
são lugares mortos e eu segui as sombras vivas
eu quis o caminho que me devorou rendido
na sua acesa fome abraçando o bosque sabendo
que a maior cegueira é a da maior claridade.
Pedro Jordão
in "Persona"
Do Lado Esquerdo
quarta-feira, julho 06, 2016
Quando M. me enviou sms
a perguntar plo programa de fim-de-semana
senti a angústia da página em branco de sexta-feira
do cronista de domingo
mas depois lá esbocei este plano,
mais uma mnemónica, diria:
1.º mastigar a angústia como uma chiclete
ao som dos Táxi da altura em que a cuspia
sem qualquer preocupação com a pegada ecológica;
2.º passar pela secção dos Perdidos e Achados da PSP,
do Metro e dos STCP para ver se encontraram um
coração que há dias que não sinto o meu;
3.º listar todas as músicas de língua inglesa
que expõem um broken heart no refrão;
4.º desfazer a máxima:
«Toi, tu est un blogueur.
Moi, je suis une blagueuse.» (que construí a pensar no O'Neill)
sentindo-me digna de uma serviçal de Penélope, que as devia ter,
escondidas nas dobras da história, como escrevi a Z;
5.º rever o filme de Eris Riklis e deixar-te
sobre a tua mesinha de cabeceira este bilhete:
«Não verei o limoeiro crescer!»
a perguntar plo programa de fim-de-semana
senti a angústia da página em branco de sexta-feira
do cronista de domingo
mas depois lá esbocei este plano,
mais uma mnemónica, diria:
1.º mastigar a angústia como uma chiclete
ao som dos Táxi da altura em que a cuspia
sem qualquer preocupação com a pegada ecológica;
2.º passar pela secção dos Perdidos e Achados da PSP,
do Metro e dos STCP para ver se encontraram um
coração que há dias que não sinto o meu;
3.º listar todas as músicas de língua inglesa
que expõem um broken heart no refrão;
4.º desfazer a máxima:
«Toi, tu est un blogueur.
Moi, je suis une blagueuse.» (que construí a pensar no O'Neill)
sentindo-me digna de uma serviçal de Penélope, que as devia ter,
escondidas nas dobras da história, como escrevi a Z;
5.º rever o filme de Eris Riklis e deixar-te
sobre a tua mesinha de cabeceira este bilhete:
«Não verei o limoeiro crescer!»
Aviso ao leitor:
pode começar pelo último ponto, passar ao terceiro, eliminar o segundo e
acabar no primeiro. Pode mesmo não sair do primeiro. Ou passar todo o
tempo no terceiro. E, se chegou até aqui, pode mesmo ignorar este poema.
Ana Paula Inácio