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quinta-feira, julho 25, 2013

Ossos

Os ossos dos pássaros mortos como relíquias de santos: usá-los-ia a todos se com isso achasse encontrar boa sorte. E se me perguntassem que ossos seriam aqueles que levaria ao peito, diria que são dos santos mais poluentes desta terra onde já não moram só gaivotas.
Mas não lhes conheço milagres: notícias de pássaros que curem vagabundos de cegueira, diabetes ou simples bebedeira. O seu propósito, destituído e substituído pelo quedar do olhar sobre o alcatrão; toda a mortalidade ali, e ainda assim a cegueira sem cura, que por não serem bichos religiosos não sabem abençoar os olhos aos que passam; nem ouvir deus recitando horários e mandamentos às rotinas. Acho que todos devíamos levar salmos nos bolsos, coisas de fácil digestão nos intervalos entre os subterrâneos.
Só à face das pedras os pombos revelam o seu lado mais secreto, por lhes conhecerem a natureza perversa com que provocam acidentes aos que as atravessam no inverno.
Desconfio dos pássaros por só os encontrar mortos. Tão pobremente mortos que nem sepultura, só os veios estreitos entre as pedras de granito até que se somem debaixo das solas dos sapatos ou na terra que dá às pedras a ilusão da unidade. Nisso lembram-me pessoas.
Divido-as por ordem poética: se uma elegia é uma gaivota à sombra, imaginando ser um abutre em áfrica, um soneto é um canário enclausurado numa gaiola demasiadamente espaçosa para a fome do gato, e uma redondilha é um pardal de pata partida encontrando conforto nas mãos de uma criança que, sem querer, o asfixia enquanto corre para o ir mostrar à sua mãe.
Os pássaros, como a poesia e como as pessoas, só servem para mostrar que a morte habita cada rua. E eu usaria um colar de ossos de finas asas, onde se gravassem os poemas de que mais gosto, se achasse que isso serviria para mudar a minha sorte de velório.



Beatriz Hierro Lopes



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segunda-feira, julho 15, 2013

quando a casa se cala
de repente aprendo a ter medo
e fui eu que pedi este silêncio

ainda tenho o sabor a quente das palavras

abro e fecho armários e gavetas
queria um lugar fechado para guardar memórias

depois

fico ali sentada à espera que algo aconteça



maria sousa



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terça-feira, julho 09, 2013

tradução caseira da lebre

Levanta-se
penteia-se
lava-se
enche de água um copito
veste-se
prepara-se
calça-se
beija a quem quer
sem fogo
sem vida
sem alma
deita-se
adormece





Yolanda Pantín




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quarta-feira, julho 03, 2013

As coisas escritas

Tenho as coisas escritas
no peito, o teu nome. Nada tem que ver
com o coração, muito menos com sentimentos.
O teu nome está-me escrito nos sinais, sobre a pele.
A tinta, desenhos de círculos castanhos
assinalando lugares.

O meu mapa genético tem uma única localidade.
Dizer o nome dela é chamar-te.
Chamar-te é encontrar a minha morada.



Inês Fonseca Santos




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terça-feira, julho 02, 2013

Vocação poética




Faltava-lhe tudo.
A princípio, talvez tivesse

O tempo, a forma, o tom,
a voz, o ritmo, o dom.
Sobrava-lhe a fome.

sentimentos, mas não tinha linguagem.
Depois, talvez tivesse linguagem,
mas não tinha experiência.
Por fim, teria experiência
mas já não tinha nada para dizer.
Sabia ser inútil.


Madalena de Castro Campos



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