no grande horto das crianças celestes
giroflé giroflá
trocávamos rosas e risinhos que soavam a pianinhos
giroflé flé flá defrontávamo-nos com os primeiros sintomas
da existência enfática do amor e da amizade
doenças incuráveis, mortes de lume brando:
uma mão ajudava-nos a subir no escorrega,
outra a subir ao baloiço, outra ainda
a empoleirar-nos para chegarmos à torneira
do chafariz que jorrava a vida em estado líquido
fresco reanimador , um pé desbaratava o penalty decisivo,
soubemos cedo apreciar o sabor da derrota
outro pé pisava a casa de um caracol alegórico,
soubemos ainda mais cedo acarinhar a pancada
de um verso surdo e seco,
corríamos afogueados esquivos da bola
o mata era o nosso jogo predilecto
gozávamos com pedras e cuspo os amoladores,
os engraxadores e os cauteleiros mancos
precoces suspeitámos de quem nos limpava, vendia,
e consertava a sorte, como se não soubéssemos por nós fazê-lo
vieram as lições do infantário,
as cores primárias, a luz e a sombra,
as mais variadas perspectivas
do abismo de estar vivo
o bê-a-bá da bicharada ,
as letras, as sílabas,
as palavras abrasivas de adultos eram cruéis,
faziam dói-dói que pensávamos passar com tintura de iodo.
as contas de somar nomes feios, pimenta na língua e
castigos de orelhas de jerico e um mês sem banda desenhada,
a subtracção das quedas de dentes partidos, divisão dos sorrisos
e lágrimas
a comunhão mui católica nas alegrias nas misérias
multiplicação das
dores ósseas do crescimento e da melancolia
de não termos tamanho para nos ocultarmos nos esconderijos mais insuspeitos
à espera que passasse a trovoada, o papão
ou o pesadelo de um filme visto à revelia do papá e da mamã
o ensinamento essencial para a vida, o único que importa reter,
e que ainda hoje tem serventia, mesmo prévio de teres entrado
para a primeira classe e contraído um surto de piolhos,
extraíste da voz quente da tua mãe
-
não aceites nada de estranhos.
foi quando aprendeste o medo.
Bruno Sousa Villar
(mais um poema da revista maravilha)