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terça-feira, abril 26, 2011

Lacrima corpus dissolvens

às vezes apresenta-se
um animal

coberto de penugem e pó
quer morar comigo
deixa o ar
frio
enche o ar
de um leve fumo cinzento
enquanto passa
leva uma mala com obscenos objectos do passado e exibe-os sem vergonha, cruel
eu desmancho palavras sobre ele como se cantasse uma canção antiga

mas esse animal
(que não é mesmo animal mas criatura estranha,
corpo feito de escuridão e lágrimas)

torna-se milhares de gotas microscópicas que eu respiro
como se fosse vírus
e enche meu peito de um espaço vazio e amargo
eu tento deitá-lo pela boca fora, cuspi-lo,
mas só sai pelos olhos quando já é salgado

acontece assim,
às vezes.




Celeste Wladyka




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segunda-feira, abril 25, 2011





Mastigo o pó de todos os cravos que me deste,
quero-os sempre vermelhos ao rés da boca.




Rosa Alice Branco

sexta-feira, abril 22, 2011

estou tão fartinha de chuva!
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sim, sim, a lebre está de trombas

segunda-feira, abril 18, 2011

tradução caseira da lebre




Ó mãe
aqui no teu colo,
tão bom como uma taça cheia de nuvens,
a mim, a tua criança gulosa
é me dado o teu peito,
o mar embrulhado em pele,
e os teus braços.
raízes cobertas de musgo
com novos rebentos a nascerem
para me fazerem cocegas até ao riso
Sim, estou casada com o meu ursinho
mas ele tem o teu cheiro
e também o meu.
O teu colar que eu toco
é todo olhos de anjo.
Os teus anéis que brilham
são como a lua no charco.
As tuas pernas que abanam para cima e para baixo,
as tuas queridas pernas cobertas de nylon
são os cavalos que eu cavalgarei
para a eternidade.

Ó mãe,
depois deste colo de infância
nunca irei avançar
para o mundo das pessoas grandes
como um estranho
uma invenção,
ou vacilar
quando alguém
for tão vazio como um sapato.




Anne Sexton




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sexta-feira, abril 15, 2011

falhámos tudo: entregámos
os livros ao sepulcro
das estantes, ao amor

demos um colo de horas
certas, deixámos de abrir
janelas para cheirar a noite.

já nada nos lembra
que o poema só se forma
no fio da navalha.




Renata Correia Botelho



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quarta-feira, abril 13, 2011

"You have to have been in love to write poetry"
Raymond Carver


Tens que ter sentido medo
angústia, desolação
pois para falar do amor
sem metáforas estivais
é preciso ter vivido em quartos lívidos,
onde um espelho,
um olhar de viés,
um sapato arremessado
prenunciam o poema.




Jorge Gomes Miranda


 
 
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sexta-feira, abril 08, 2011

A ferida por baixo da cicatriz - quem cura?






Vasco Gato





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quarta-feira, abril 06, 2011

Não há rainhas, não.
Quando se fala em mitos, é sempre Artur
ou D. Sebastião, um cheio de pormenores,
o outro embrenhado demais por infiéis
e ido em brumas

Nâo há rainhas não
Até Henrique VIII com muito mais élan do
que Isabel: mandou cortar cabeças como couves
e expandiu albiónico quintal.
A filha pouco fez, que já tinha o país
quase estrumado, pupila em oceano
e abolidas bulas - a prima: um pormenor
tão en passant como o Tomás
(depois canonizado)

Que Maria da Escócia
não tem graça nenhuma, se comparada
ao nosso D. Diniz: como a das rosas,
não plantou pinhais,
não tinha olho ferrado no futuro
nem domou as areias solitárias
ao som de Ai Deus e u é

(Não fora a inconstante Guinevere,
Artur: homem feliz
E a D. Sebastião serviu-lhe ser solteiro
sem rainha chorosa (ou exultante) com Alcácer-Quibir
- além disso razão de se extinguir
dinastia de Aviz)

Não há rainhas, não.Até Vitória, na forma de mandar,
foi mais que homem:
manias do império,
toucados opressores e verso
espartilhado e de costumes

Mas rainhas a sério:
reinado em feminino e língua nova,
nariz torcido à guerra no saber ancestral
de entranhas próprias,
não me lembro nenhuma

Não há rainhas, não.
Quando se fala em mitos,
é sempre Artur ou D. Sebastião.
O resto: uma Avalon
ameaçando brumas





Ana Luísa Amaral



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sexta-feira, abril 01, 2011

tradução caseira da lebre



Que disseram eles na primeira vez que estiveram sozinhos na mesma divisão? Que disse ele quando ela tirou o véu e ele pode ver que ela não era uma voz mas um corpo e por isso finito? Que disse ela quando ela descobriu que tinha deixado um quarto trancado por outro? Falaram de amor, naturalmente, mas isso não os manteve ocupados para sempre.





Margaret Atwood




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